A Operação Contragolpe, desencadeada pela Polícia Federal na manhã desta terça-feira (19), aponta a existência de um plano envolvendo militares de alto escalão para tomar o poder do país pela força e matar presidente e vice eleitos em 2022.
A ação resultou na prisão de um general, um tenente-coronel e dois majores do Exército, além de um agente da PF. Eles seriam líderes de uma tentativa de golpe, edificada sobre a contestação do desfecho eleitoral e a desestabilização social do país.
O intento dos supostos conspiradores, destaca a PF, tinha como principal componente um plano para execução do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
A investigação sobre o plano denominado Punhal Verde Amarelo pelos autores, ora qualificados como integrantes de organização criminosa pela PF, envolve pessoas das relações políticas e institucionais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como foi a operação
Policiais federais cumpriram cinco mandados de prisão preventiva, três mandados de busca e apreensão e 15 medidas cautelares diversas da prisão, que incluem a proibição de manter contato com os demais investigados, a proibição de se ausentar do país, com entrega de passaportes no prazo de 24 horas, e a suspensão do exercício de funções públicas.
Conforme a PF, foram cumpridos mandados no Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas e Distrito Federal, com acompanhamento do Exército Brasileiro.
Relação com Bolsonaro
De acordo com a PF, os atos finais no planejamento do golpe de Estado foram articulados em uma reunião realizada na residência do general Walter Souza Braga Netto (PL), candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Bolsonaro, derrotada por Lula e Alckmin.
O general foi figura de destaque no governo de Jair Bolsonaro, ocupando os cargos de ministro da Defesa e ministro-chefe da Casa Civil, antes de se afastar do Exército para se tornar vice na corrida eleitoral.
O encontro ocorrido em 12 de novembro de 2022, segundo as investigações, teve a participação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, que foi intimado nesta terça a prestar novo depoimento à Policia Federal.
Cid tem acordo de delação premiada, firmado com a PF e o STF, para aliviar eventual responsabilização por ações antidemocráticas e poderá ter este acordo revisado por conta dos atuais desdobramentos. Ele prestará novo depoimento, desta vez ao STF, na quinta-feira.
A PF ainda não detalhou quais serão os próximos passos da investigação, nem divulgou a lista completa com os nomes dos investigados.
Quem são os presos, suas tarefas no plano e conexão com o ex-presidente
General Mário Fernandes
Oficial da mais elevada patente entre os presos, o general reformado Mário Fernandes exerceu a chefia substituta da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Jair Bolsonaro.
Após deixar o governo, assumiu, entre 2023 e o início de 2024, um cargo na liderança do PL na Câmara dos Deputados. Foi desligado da função pública em março deste ano, por determinação ministro Alexandre de Moraes.
Quando foi chamado a depor pela PF em 22 de fevereiro de 2024, Fernandes optou por ficar em silêncio, alegando não ter obtido acesso ao conteúdos da investigação e, em específico, à delação do tenente-coronel Mauro Cid.
O general seria o autor do plano Punhal Verde Amarelo. É considerado terrorista pela PF, pois teria definido expressamente como "missão" a execução de Moraes e dos eleitos à Presidência da República.
As apurações apontam indícios de que Fernandes elaborou uma minuta de "gabinete de crise", da qual ele próprio seria um dos membros responsáveis pelas providências após os assassinatos dos eleitos.
Em uma das conversas com Mauro Cid, interceptada pela PF, o general afirma ter se encontrado com Bolsonaro, em 8 de dezembro, e pedido ação "com brevidade, para orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros". Ele declara, no diálogo, que o ex-presidente aceitou "nosso assessoramento".
Tenente-coronel Hélio Ferreira Lima
Ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais, de Manaus, Ferreira Lima foi destituído de sua posição em fevereiro de 2024, durante investigações sobre planos antidemocráticos relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ele teria participado das reuniões dos inconformados com o resultado eleitoral, inclusive na residência do general Braga Netto, quando o plano de golpe e assassinatos teria sido arquitetado. Ferreira Lima teria apresentado o planejamento operacional para a execução do plano.
Quando convocado a depor à Polícia Federal sobre sua suposta ligação com o golpe de Estado, optou por permanecer em silêncio. Com formação em Operações Especiais, é membro do grupo de elite do Exército conhecido como "kids pretos", especializado em missões sigilosas de alto risco.
A Polícia Federal sustenta que o tenente-coronel mantinha um planejamento estratégico relacionado ao golpe de Estado, num documento que continha como apontamento a neutralização da capacidade de atuação de Moraes (interpretado pela PF como assassinato). Ferreira Lima teria feito levantamento sobre a rotina do ministro do STF, junto com o major Rafael Martins de Oliveira.
Major Rafael Martins de Oliveira
Integrante das Forças Especiais, Martins de Oliveira teria como tarefa, segundo a PF, organizar a prisão e a possível execução de Alexandre de Moraes.
A corporação diz que ele, Mauro Cid, e Hélio Ferreira Lima se reuniram em 12 de novembro na residência do general Braga Netto. Tinham acabado de perder as eleições e estimulavam bloqueios de rodovias por parte de eleitores inconformados com o resultado das urnas.
Rafael foi preso pela Polícia Federal em fevereiro de 2024 durante investigações sobre sua participação na organização de movimentos antidemocráticos. Ele havia sido solto e usava tornozeleira eletrônica.
Major Rodrigo Bezerra de Azevedo
Considerado um militar altamente qualificado, Bezerra de Azevedo é doutorando em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e possui especializações em operações de guerra não convencional.
Formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 2003, já serviu como instrutor no Western Hemisphere Institute for Security Cooperation, nos EUA, e participou de missões no Exterior, como na Costa do Marfim.
Além disso, comandou a Companhia de Comando do Comando Militar da Amazônia e tem expertise acadêmica em terrorismo e relações internacionais. Ele também integra o grupo "kids pretos", treinado para operações estratégicas.
A PF argumenta que ele teria participado de ações diversas para incitar parcela da população a manter acampamentos e mobilizações na frente das instalações militares "para criar o ambiente propício ao golpe de Estado".
A investigação diz que Azevedo integrava uma milícia digital que disseminava fake news sobre possíveis fraudes nas eleições de 2022 e ataques sistemáticos a ministros do STF e do TSE.
A PF atribui a essas ações os atos que culminaram nos distúrbios de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.
Wladimir Matos Soares
Policial federal, Matos Soares foi preso sob a acusação de reunir e oferecer aos investigados informações sobre a segurança pessoal do presidente Lula e do vice, Geraldo Alckmin.
Segundo a investigação, o plano envolvia assassinar Lula por envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico. Conforme a PF, parte das informações, que embasam a prisão de Matos Soares, estavam em diálogo do agente com um capitão do Exército o qual atuava no gabinete de Bolsonaro.
Repercussão
A investigação da PF provocou repercussão entre personalidades e autoridades brasileiras. O presidente Lula, porém, manteve agendas relacionadas ao encerramento da Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, e não falou publicamente a respeito. Uma coletiva de imprensa que ele daria, a título de encerramento do evento com líderes mundiais, foi cancelada.
Informações circularam dando conta de que Lula teve reunião com seu núcleo de governo para tratar das revelações da Polícia Federal. Contudo, a decisão teria sido de manter o foco das declarações e divulgações no encontro dos líderes mundiais. O vice Geraldo Alckmin também não se pronunciou nesta terça.
Também esperada diante do cenário de revelações impactantes, a manifestação do ex-presidente Jair Bolsonaro não aconteceu. Não houve entrevistas, nem divulgação de declarações do ex-chefe do Estado brasileiro nas redes sociais.
Integrante do núcleo do governo federal, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que são "fortíssimos" os indícios contra os quatro militares do Exército e o agente da Polícia Federal (PF) presos.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, classificou como "estarrecedores" os detalhes da Operação Contragolpe. Segundo o ministro, o caso é uma "desonra para o país".
Por nota, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), descreveu como "extremamente preocupantes" as suspeitas. "Não há espaço no Brasil para ações que atentam contra o regime democrático, e menos ainda, para quem planeja tirar a vida de quem quer que seja", declarou, citando esperar que os envolvidos sejam julgados "sob o rigor da lei".
Entre parlamentares gaúchos, houve divisão, com os posicionados mais à esquerda no espectro ideológico cobrando punição exemplar aos envolvidos, enquanto representantes da direita preferiram cautela e silêncio.