Considerado o assessor mais próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro durante seus quatros anos de governo, o tenente-coronel Mauro Cid precisará apresentar provas que sustentem todos os atos ilegais que narrar à Polícia Federal (PF). O suposto envolvimento de Bolsonaro na discussão de um golpe de Estado, por exemplo, conforme o militar teria revelado em depoimento, terá de ser comprovado pelo próprio Cid, sob pena de anulação da colaboração e de um eventual retorno à prisão.
Prevista na legislação brasileira desde 1990, mas regulamentada em detalhes apenas em 2013, após a onda de protestos que sacudiu o país, o instituto da delação premiada ganhou notoriedade durante a operação Lava-Jato. Para sair da cadeia e ter as penas atenuadas, vários réus dos casos de corrupção na Petrobras se tornaram delatores.
Com o avanço da operação, o uso demasiado do instrumento acabou gerando críticas. Muitos juristas afirmavam que a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde corriam os processos, estendia as prisões preventivas com o objetivo de forçar os investigados a colaborarem com as investigações. O teor de algumas delações também foi alvo de controvérsia, não só por virem desacompanhadas de provas, mas também por conterem mentiras, o que acabou confirmado em duas das colaborações mais notórias, a do ex-ministro Antonio Palocci e a do ex-senador Delcídio do Amaral.
Confira abaixo como funciona a delação de Mauro Cid
Por que Mauro Cid foi preso?
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro foi preso em 3 de maio, por suspeita de envolvimento na falsificação de carteiras de vacinação contra a Covid-19. O militar teria agido para emitir certificados falsos para si, para a família, além de Bolsonaro e a filha, Laura.
Por que Mauro Cid decidiu colaborar com as investigações?
Após trocar duas vezes de advogado, Mauro Cid passou a ser defendido no final de agosto pelo criminalista gaúcho Cezar Bitencourt. Crítico contumaz das delações premiadas, logo Bitencourt sinalizou que o cliente poderia firmar um acordo de colaboração, principalmente após surgirem fortes indícios de envolvimento no desvio de joias recebidas por Bolsonaro em viagens ao Exterior. Diante da gravidade dos novos fatos, a colaboração seria uma forma de deixar a cadeia após quatro meses e atenuar uma eventual punição.
Quando foi feito o acerto da delação?
Em 6 de setembro, Mauro Cid entregou pessoalmente ao Supremo Tribunal Federal o pedido de adesão à colaboração premiada. Antes, o militar já havia prestado vários depoimentos à Polícia Federal (PF), colaborando com as investigações - numa das ocasiões, falou por 12 horas. O pedido foi submetido ao ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos contra Cid. O acordo foi conduzido pela PF, à revelia do Ministério Público Federal.
Por que Mauro Cid foi solto?
Mauro Cid deixou a prisão em 9 de setembro, por determinação do ministro Alexandre de Moraes. A soltura foi pedida pela defesa logo após a entrega ao STF do “termo de intenção” de delação premiada, no qual o advogado narra os termos do acordo com a PF e resume as principais revelações a serem feitas pelo cliente, com indicativo das provas a serem. apresentadas. O acordo foi homologado por Moraes.
Quais as condições da liberdade de Mauro Cid?
Ao soltar Mauro Cid, Alexandre de Moraes impôs algumas restrições. O militar precisa usar tornozeleira eletrônica, entregar os passaportes - que foram cancelados - e se apresentar toda segunda-feira à Justiça. Está proibido de deixar Brasília e de sair de casa à noite e aos finais de semana. Também não pode usar redes sociais, tampouco se comunicar com os demais investigados, à exceção da própria família, cuja conduta também é apurada criminalmente. Cid também teve suspenso o porte de arma e o registro de CAC.
Como Mauro Cid pode ser beneficiado pela delação premiada?
Os termos do acordo são sigilosos. A lei prevê redução de pena em dois terços ou até mesmo perdão judicial. A flexibilização também pode resultar em prisão domiciliar. Um dos acertos que teriam sido firmados por Cid é para evitar que sua delação seja usada como prova contra sua família, incluindo o pai, o general Mauro Lorena Cid. Isso não impede que a PF use outras provas contra seus familiares, apenas não usará as informadas por ele.
O que a PF e o STF buscam com a delação?
Nos termos da Lei 12.850, que regulamentou a delação, os principais objetivos da concessão de benefícios ao colaborador é identificar o líder da suposta organização criminosa, seus demais membros e os crimes praticados, com revelação da estrutura hierárquica e tarefas designadas. No caso específico de Cid, um dos alvos da colaboração é descobrir a atuação de Jair Bolsonaro na venda das joias sauditas, na operação de um suposto caixa 2 dentro do Palácio do Planalto e nos atos antidemocráticos que resultaram na invasão à sede dos Poderes em 8 de janeiro.
Quais os próximos passos da delação?
Após os depoimentos iniciais, Cid precisa apresentar elementos de comprovação do que relatou, como documentos, mensagens, extratos, faturas de cartão crédito, passagens e recibos. Cada fato é checado pela PF. Ele também pode ser chamado a prestar novos esclarecimentos, seja sobre fatos já narrados ou sobre novidades que surjam no decorrer da investigação. Após a conclusão dos inquéritos, cabe ao Ministério Público Federal oferecer denúncia.
O que acontece se Mauro Cid descumprir o acordo?
O acordo pode ser rescindido a qualquer momento caso seja descoberta qualquer omissão dolosa por parte do colaborador. Os termos também podem ser anulados se o delator não cessar sua conduta ilícita ou descumprir alguma das condicionantes, como, por exemplo, se comunicar com os demais investigados. No caso de Cid, a violação das restrições pode inclusive resultar em retorno à prisão.