A República está diante de um momento histórico que exige firmeza, equilíbrio e cautela. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado esta quinta-feira (21) pela Polícia Federal (PF) no inquérito que apurou ao longo de quase dois anos a tentativa de reverter à força o resultado da eleição de 2022. Abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa são os crimes em que Bolsonaro foi enquadrado.
O caráter inaudito da investigação e de sua conclusão também reside no fato de que 25 dos 37 apontados pela PF como integrantes do grupo que urdiu uma ruptura institucional no país são militares, da ativa ou da reserva. Parte, de altas patentes, como generais e um almirante, ocupou o centro do poder no governo Bolsonaro. Entre eles, Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice na chapa derrotada, Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-comandante do Exército e Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
Seja qual for o desfecho, deve restar claro para a sociedade que a justiça foi feita
Cabe agora à Procuradoria-Geral da República (PGR) analisar com critério as provas colhidas e as conclusões da investigação para decidir se oferece denúncia ao Judiciário, ao qual compete a decisão de iniciar o processo penal. Não se trata de um caso banal, tanto pela gravidade das suspeitas como pela lista de implicados, encabeçada por um ex-presidente que tem apoio inquebrantável de parcela significativa da população. Mas, ao indiciar Bolsonaro, a PF o coloca no centro da trama organizada em várias frentes para golpear a democracia, por meio da descredibilização das eleições, da instigação de massas de apoiadores, da cooptação de agentes do Estado para executar a insurreição e da busca por dar um verniz legal à intentona. A seriedade das acusações, por outro lado, impõe a apresentação de provas cabais.
Em um país como o Brasil, com um passado de quarteladas e assombrado pela influência militar na vida civil, responsabilizar criminalmente membros das Forças Armadas graduados também é até aqui bastante inusual. Nunca é tarde, entretanto, para exorcizar fantasmas e enterrar o mito da tutela da caserna sobre o país. Desta lamentável quadra da História, também se espera que resulte de forma definitiva a submissão castrense à democracia e à Constituição. Essa, aliás, foi a postura da maioria dos comandantes no ápice da pressão por uma virada de mesa que desrespeitasse a decisão soberana do eleitor. No futuro também serão lembrados os que foram leais ao país, e não a um projeto de manutenção do poder a qualquer custo.
No curso jurídico do caso, o basilar é que, ao fim, prevaleçam a lei e as provas. É necessário firmeza para levar adiante o escrutínio das condutas e as devidas punições se as evidências mostrarem-se contundentes. Mas também se requer equilíbrio e cautela, com o respeito aos ritos processuais, à presunção de inocência e à prerrogativa de ampla defesa. Tamanho zelo é mandatório para serem evitados erros de investigações passadas em processos de grande repercussão. Seja qual for o desfecho, deve restar claro para a sociedade que a justiça foi feita.