Quase um ano após ser afastado do cargo por suspeita de corrupção, Jairo Jorge retornou à prefeitura de Canoas nesta terça-feira (28). Ele é investigado na Operação Copa Livre, deflagrada em 31 de março de 2022, que analisa possíveis irregularidades na contratação de serviços terceirizados de limpeza e copeiragem pela administração canoense.
O político e mais 16 pessoas, entre agentes públicos e empresários, estão denunciados duas vezes por corrupção, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e peculato, que teriam sido cometidos entre 2020 e 2021.
As suspeitas que levaram ao afastamento do prefeito de Canoas recaem sobre contratos que somam R$ 66,7 milhões. Na época, foi o que revelou o Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, que solicitou e conseguiu que o mandatário e outros cinco membros do Executivo municipal fossem removidos dos cargos por seis meses.
A operação foi deflagrada pelo MP e o caso corria na Justiça do Rio Grande do Sul. No início de março, porém, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do RS decidiu que, como as supostas irregularidades envolvem desvio de recursos federais, o processo devia ser remetido à Justiça federal.
A defesa de Jairo Jorge havia feito o pedido de federalização do caso, e alegou que, com isso, as medidas cautelares, como o afastamento do investigado do cargo, perderiam validade, por terem sido "produzidas por autoridade incompetente". O MP recorreu da federalização.
O último prazo do afastamento provisório se encerrou na segunda-feira (27). Como não houve nova determinação neste sentido pela Justiça, foi possível o retorno do político ao cargo.
Confira a linha cronológica dos acontecimentos
31 de março de 2022 – A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou o afastamento do cargo do prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), por um período mínimo de seis meses. A Corte atendeu a pedido feito pela Procuradoria dos Prefeitos do Ministério Público (MP).
No começo da manhã daquele dia, o MP – com apoio da Brigada Militar – cumpriu mandados de busca e apreensão na cidade da Região Metropolitana e em outros municípios do país. Ordens judiciais foram cumpridas na sede da prefeitura e no apartamento do chefe do Executivo, onde a entrada do prédio precisou ser arrombada pela polícia.
A operação foi deflagrada a partir de um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que, em maio de 2021, detectou irregularidades no setor de saúde em Canoas. O MP prosseguiu com as investigações e conseguiu quebras de sigilo que apontaram indícios de combinações ilegais relativas a cinco contratos de serviços.
Dois deles, os principais, são na área de saúde. Nem todo esse valor foi pago, portanto, as supostas irregularidades não atingem todo o montante.
26 de setembro de 2022 – A Justiça decidiu por prorrogar por 180 dias o afastamento de Jairo Jorge. O prazo para que ele não exercesse o cargo encarraria na noite de 27 de setembro. A desembargadora Gisele Ane Vieira de Azambuja, da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, considerou indispensável a prorrogação do afastamento em razão das novas provas apresentadas na investigação. Segundo ela, foi registrado um "intenso contato entre os investigados a indicar provas do envolvimento dos agentes públicos afastados".
15 de dezembro de 2022 – A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ) negou mais um pedido de Jairo Jorge, na qual ele tentava voltar ao cargo de mandatário de Canoas. Por maioria, os desembargadores rejeitaram agravo regimental contra decisão monocrática de um desembargador do colegiado que já havia negado esse retorno.
Os advogados do político tentavam reverter a decisão da desembargadora Gisele Anne Vieira de Azambuja, que prorrogou por mais 180 dias a suspensão do exercício do mandato. A decisão sobre a prorrogação do afastamento iria até o final de março deste ano.
27 de dezembro de 2022 – A Câmara de Vereadores de Canoas decidiu arquivar um processo de impeachment contra o prefeito Jairo Jorge. A decisão foi tomada por 18 votos contrários e um favorável. Além do presidente da Casa, que não vota, um parlamentar estava impedido de votar por ser sobrinho do prefeito afastado na época.
14 de janeiro de 2023 — O afastamento de Jairo Jorge ganhou um desdobramento com a suspeita de irregularidade na iluminação pública do município de Canoas. Documentos obtidos pelo programa RBS Notícias indicam que a empresa responsável para fazer a manutenção do serviço receberia para colocar lâmpadas em postes que não existem. A suspeita foi levantada em 2021, pelo ex-diretor do gabinete do prefeito, Jaime Maldini.
O serviço era de responsabilidade da Instaladora Elétrica de Mercúrio, de Sapucaia do Sul. A empresa mantinha contratos com o município desde 2016 e recebeu R$ 30 milhões em pagamentos.
O documento indica que, em um dos endereços em que a empresa fazia manutenção, na Rua Marechal Rondon, no bairro Niterói, não há poste de energia. Também há suspeita na Rua Lenine Nequete, onde fica o Fórum de Canoas.
Ainda segundo Maldini, haveria endereços em duplicidade, tanto dentro do mesmo mês quanto no mês seguinte. O ex-diretor de gabinete levou o caso ao Ministério Público, que abriu inquérito civil. Um mês após, Maldini foi afastado do cargo.
Em nota, Jairo Jorge informou que recebeu "apenas uma denúncia" de irregularidades envolvendo a empresa prestadora dos serviços e que encaminhou o fato à Secretaria de Serviços Urbanos (SMSU), que comprovou a irregularidade e suspendeu o pagamento. O prefeito disse ainda que foi aberta auditoria e um fiscal passou a acompanhar os serviços prestados pela empresa.
Afirmou também que a procuradoria-geral do município encaminhou ao MP a lista de ações aplicadas pela prefeitura e o caso foi encerrado, segundo Jairo, pelo então secretário de Relações Institucionais e vice-prefeito, Nedy de Vargas Marques, que o substituiu durante o afastamento da prefeitura.
8 de março de 2023 – Jairo Jorge e o ex-secretário de Saúde do município de Canoas, Marcelo Bosio, foram condenados em ação envolvendo contratação irregular de um hospital para prestação de serviços de saúde. Os dois receberam penas de três anos de detenção e pagamento de multa, além de ter sido decretada a perda do cargo ou função pública, que será cumprida com o trânsito em julgado.
A sentença é da juíza Cristina de Albuquerque Vieira, da 22ª Vara Federal de Porto Alegre. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Conforme o Ministério Público Federal (MPF), Jairo Jorge e o então secretário realizaram uma contratação irregular de um hospital, em julho de 2013, para terceirizar a gestão, administração e operação de unidades de pronto atendimento, farmácias básicas e prestação de serviços de higienização em unidades básicas de saúde em Canoas. De acordo com a denúncia, eles fizeram uma "inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei e sem observar as formalidades pertinentes a esta modalidade".
O então presidente da associação mantenedora do hospital também chegou a ser denunciado pelo MPF, sob alegação de que ele teria se beneficiado ao celebrar contrato com o município. No decorrer da ação, contudo, foi reconhecida a prescrição punitiva e ele foi absolvido.
9 de março de 2023 – A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ) decidiu enviar para a Justiça Federal um dos processos que envolve Jairo Jorge e outros réus investigados na Operação Copa Livre.
A decisão de remeter o processo para a Justiça Federal atende ao pedido da defesa de um dos réus do caso, mas, na prática, abrange todos os investigados. Os advogados de Jairo já argumentavam que a investigação apura o uso indevido de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e que, por isso, deveria ser federalizada, uma vez que o dinheiro é proveniente da União.
A defesa do prefeito chegou a pedir o envio do caso para a Justiça Federal, mas o pedido de liminar foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em fevereiro deste ano. O mérito da ação ainda deverá ser julgado pela 6ª Turma do STJ – não há previsão de data. O MP recorreu da federalização.
28 de março de 2023 – O último prazo do afastamento provisório se encerrou na segunda-feira (27). Como não houve nova determinação neste sentido pela Justiça, foi possível o retorno de Jairo Jorge ao cargo de prefeito de Canoas.
— Vou prestar todos os esclarecimentos, mostrar que eu sou inocente, sempre acreditando na Justiça — disse Jairo Jorge, na volta à prefeitura.
Houve um ato ecumênico na chegada de Jairo Jorge à prefeitura e lavagem das escadarias do prédio por representantes de religião de matriz africana.
— Permaneço à disposição do Judiciário. Tenho muito respeito pelo Ministério Público. Eles procuraram cumprir o papel deles. Eu procurei cumprir o meu — acrescentou.
Procurada, a assessoria do Ministério Público afirmou que interpôs embargos de declaração contra a decisão de declinar para Justiça Federal a competência jurídica sobre o caso e que, enquanto isso, o MP não vai se manifestar sobre o assunto.
Processos judiciais
Jairo Jorge já respondeu a pelo menos 24 processos judiciais enquanto prefeito, nenhum deles criminal. Na maioria, são ações civis públicas movidas pelo Ministério Público (estadual ou federal) por problemas em contratações de serviços pela prefeitura nas áreas de saúde e ensino.
Entre as ações que tramitam está uma que envolve a contratação, sem licitação, da Associação Beneficente Canoas (antiga dirigente do Hospital Nossa Senhora das Graças) para gerenciar quatro Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Outras ações questionam também a ausência de licitação na contratação da Associação Educadora São Carlos para prestar atendimento em centros de atenção psicossocial (Caps) e também da empresa GSH para o teleagendamento de consultas eletivas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
Em 2017, foi aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) investigação sobre suposto caixa 2 em doações irregulares da empreiteira Odebrecht a Jairo Jorge, quando ele era candidato em 2008. Um dos dirigentes da construtora, Alexandrino Aguiar, disse que a empresa repassou irregularmente R$ 50 mil ao candidato.
Jairo nega ter recebido qualquer quantia não declarada. A PF abriu inquérito sobre crime eleitoral, e os resultados da investigação ainda não foram anunciados.
Em setembro de 2021, em decisão judicial referente a duas ações por improbidade administrativa, Jairo Jorge teve os bens bloqueados temporariamente. Uma delas aponta irregularidade na dispensa de licitação para contratar a implantação do Sistema Aeromóvel de Canoas. A outra ação também considera irregular a dispensa de licitação na contratação de empresa que desenvolveu softwares para gestão de escolas públicas. Os bens do prefeito foram desbloqueados em novembro do mesmo ano, em nova decisão judicial.