Mais controverso instrumento de cooptação política dos últimos anos, o orçamento secreto terá seu destino selado a partir desta quarta-feira (7), no Supremo Tribunal Federal (STF). Com sessão marcada para as 14h, os 11 ministros da Corte irão deliberar sobre a legalidade das emendas de pouca ou nenhuma transparência, usadas para barganhar apoio do Congresso ao Planalto.
O julgamento eleva a tensão política em Brasília num momento decisivo para a aprovação da PEC da Transição e da costura de apoios à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara. Em reação a um eventual desfecho desfavorável, parlamentares cogitam tornar mais claras as regras de emprego das verbas, esvaziando o julgamento.
No total, quatro ações contestam a constitucionalidade das emendas do relator — nome técnico do orçamento secreto. Três delas foram ajuizadas em 2021 por PSB, PSOL e Cidadania, e a restante em 2022, pelo PV. Trata-se de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), expediente para evitar ou reparar eventual lesão à normas tidas como essenciais ao ordenamento jurídico. Todas estão sob a relatoria da presidente do STF, ministra Rosa Weber.
Desde o primeiro semestre, havia uma expectativa de que o julgamento ocorresse logo após o fim das eleições. Somente na semana passada, porém, Rosa Weber incluiu o caso na pauta do STF. A decisão repentina irritou os demais ministros, que tiveram de correr para preparar seus votos. A escassez de tempo — o STF tem apenas duas outras sessões plenárias este ano — e as complexidades jurídicas e políticas da questão não permitem garantia de que o julgamento acabe em 2022. Pode haver adiamento para fevereiro e não está descartado um pedido de vista de algum dos ministros.
Durante a campanha, havia um sentimento em Brasília de que, caso Luiz Inácio Lula da Silva ganhasse a eleição, o STF sepultaria o orçamento secreto, devolvendo ao Executivo a autonomia sobre os gastos do governo e facilitando a relação do presidente eleito com o novo Congresso. Todavia, a aproximação entre Lula e Lira nas últimas semanas turvou o horizonte.
Principal operador das emendas de relator, Lira usou o instrumento para obter o apoio de ao menos 15 partidos à sua reeleição, entre eles o consórcio governista formado por PT, PSB, PCdoB e PV. A situação é mais confusa no Senado, onde Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não desfruta do mesmo favoritismo de Lira para ser reconduzido ao cargo. Juntos, eles administram R$ 16,5 bilhões em emendas em 2022 — Lira tem poder sobre R$ 11,5 bilhões e Pacheco, R$ 5 bilhões. Para 2023, a cifra alcança R$ 19,5 bilhões.
Para não correr riscos, deputados articulam nos bastidores a apresentação de um projeto de resolução tornando mais transparente o orçamento secreto. Uma minuta do texto inclusive já teria chegado às mãos de alguns ministros do STF como forma de barganha. Pelas regras sugeridas, os recursos seriam distribuídos proporcionalmente entre as bancadas, com aplicação obrigatória de metade do dinheiro em saúde e assistência social.
Em outubro, o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA) chegou a ameaçar retaliação, cogitando cortar verbas do STF caso o orçamento secreto fosse considerado inconstitucional. Emissários da Corte e do Congresso amainaram as rusgas. Enquanto a Corte acenava com a manutenção das emendas, apenas exigindo mais transparência e democratização, o Congresso cogitava usar a PEC da Transição para incluir o artifício na Constituição.
Em meio a incertezas sobre o comportamento dos ministros, há ainda especulações sobre os movimentos de Lula. Na campanha, ele havia chamado o orçamento secreto de "excrescência" e "maior bandidagem feita em 200 anos de República". Após a vitória, quase não tocou no assunto, sobretudo após começar a montagem da base de sustentação no Congresso e assegurar apoio à reeleição de Lira. O flerte de Lula e Lira levou o presidente Jair Bolsonaro a vetar os pagamentos restantes deste ano, aproximando ainda mais o centrão do petista.
Porém, nos últimos dias, surgiram relatos de que o presidente eleito teria conversado com cinco ministros do STF, pedindo o fim das emendas. O PT teme que uma decisão nesses termos seja atribuída à influência de Lula sobre a Corte, atrapalhando a costura de alianças para a governabilidade. Tamanho jogo de interesses faz crescer as apostas de que algum ministro peça vista dos processos, adiando a definição para 2023, quando o ambiente político estiver menos nervoso.
Entenda o orçamento secreto
- A polêmica surgiu em maio do ano passado, quando o jornal O Estado de S. Paulo revelou o uso indiscriminado de emendas do relator-geral do orçamento para atender demandas de parlamentares em seus redutos eleitorais.
- Diferente das emendas individuais, as emendas do relator passaram a ser pagas sem transparência e sem critérios claros para divisão do dinheiro.
- Em geral, um parlamentar indica a destinação do dinheiro ao relator, que inclui a demanda no orçamento. O governo paga em troca de apoio político.
- Até então, as emendas eram usadas apenas para ajustes técnicos no orçamento. Elas somaram R$ 18 bilhões em 2021, R$ 16,5 bilhões em 2022 e R$ 19,4 bilhões em 2023.
- Na esteira da liberação das emendas, surgiram suspeitas de desvios, superfaturamento e pagamento por serviços jamais prestados.
- No Maranhão, foram pagas 12,7 mil radiografias de dedo em município com 11, 5 mil habitantes e, em outra cidade, o equivalente à extração de 14 dentes de cada morador.