Uma mulher foi acusada de envenenar com arsênico o chimarrão do marido em Alegrete, na Fronteira Oeste. O fazendeiro Otacílio Carús Ribeiro morreu em 5 de junho de 1949. O caso foi contado em Zero Hora em 2012 pelo jornalista Celito de Grandi, colega falecido em 2014.
O Almanaque Gaúcho reproduz o texto da série Boletim de Ocorrência, que recontava as histórias de crimes de repercussão no Rio Grande do Sul.
O chimarrão que mata aos poucos
Na edição de 7 de junho de 1949, a Gazeta de Alegrete, o mais antigo jornal gaúcho, publicou, na secção Necrologia: "Faleceu, no dia 5, o sr. Otacílio Carús Ribeiro, benquisto e prestimoso conterrâneo, pertencente a antiga e conceituada família local. Otacílio Ribeiro, que desaparece aos 54 anos de idade, residiu, nos últimos tempos, em Santa Maria, tendo retornado à sua terra há bem poucos dias, onde foi colhido pela morte."
A partir daí, além das lamentações, começaram a circular na cidade estranhos comentários: Otacílio teria se suicidado e a família escondia isso, interessada nos seguros de vida.
Abelardo Carús, irmão de Otacílio, não acreditava em nada disso. Desconfiado, conseguiu autorização para exumar o cadáver. E a necropsia acabou por confirmar a suspeita: havia enorme quantidade de veneno no intestino do morto.
O Correio do Povo publicou em destaque, no dia 5 de agosto daquele ano: "Violenta dose de arsênico fulminou o fazendeiro". E, no texto da notícia, a acusação de Abelardo: a viúva do morto, Alice Farias Carús Ribeiro, seria a responsável pelo envenenamento. Também um filho a acusou.
Otacílio era homem rico e a revelação do assassinato comoveu Alegrete e repercutiu em todo o Estado. As investigações passam a revelar um emaranhado de conflitos familiares, envolvendo interesses financeiros e desavenças de origens diversas. Alice nega com todo o vigor qualquer responsabilidade na morte do marido:
— Fomos casados durante 27 anos. Vivemos sempre na melhor harmonia. Nunca me faltou nada. Nunca ele me contrariou as vontades.
Essa teria sido a motivação do crime: vontades contrariadas. Alice queria viver em Santa Maria, para que a filha ficasse ao lado do namorado. Otacílio não pretendia estar longe de Alegrete e de suas terras.
— Não culpo meu filho pelas infâmias que me são assacadas. Ele não tem culpa — disse Alice. — É um enfermo mental que sempre nos deu imenso trabalho. Acuso, sim, o sogro dele.
E sugere que este pode ser um dos matadores de Otacílio. Ela garante que foi depois de uma ida à casa do sogro do filho que o marido passou a se sentir mal.
Apesar de todos os protestos de inocência, a viúva foi denunciada pelo promotor:
— Ela colocava o veneno às ocultas no chimarrão. Morreu aos poucos.
Depoimento essencial foi o do médico que atendeu Otacílio, quando ele passou a se sentir mal. O fazendeiro lhe disse, desmentindo a tese do suicídio:
— Doutor, me examine bem, que parece que estou envenenado.
Entre os advogados de defesa estava uma mulher, num tempo em que também os júris, antes reservados aos homens, passavam por mudanças. E isso foi decisivo, conforme o depoimento do promotor Paulo Moraes Dutra, responsável por acusar Alice: "(...) a absolvição se devia ao trabalho comovedor de mulher para mulher - sustentado, com muita felicidade, pela Dra. Judete Stigler Albuquerque - e também pelo fato de a ré ser muito ligada à Igreja Católica".
Alice foi absolvida por quatro a três, em julho de 1950, pouco mais de um ano depois da morte do marido.
Um fato insólito ocorreu no julgamento.
O consagrado professor Salgado Martins era outro advogado de Alice. E no final da sua peroração, quem sabe traído pelo subconsciente, ao invés de pedir a absolvição da constituinte, ele proclamou:
— Isto posto, peço ao tribunal do júri de Alegrete a condenação da ré.
O caso acima ficou sem respostas. O fazendeiro foi assassinado? Quem o matou? O veneno estava realmente no chimarrão? O episódio precisa ser analisado considerando a sociedade e as técnicas de investigação policial da época.
Como o Almanaque Gaúcho já recordou, os noticiários policiais de jornais do passado estão repletos de casos envolvendo arsênico, desde crimes e suicídios até acidentes. O veneno para ratos e insetos está proibido no Brasil desde 2005. O pó branco é facilmente misturado a alimentos.