Três anos após engatarem o namoro, Deise Moura e Diego Silva dos Anjos começaram a planejar o casamento. Deise queria celebrar o matrimônio na Igreja São Luiz Gonzaga, no centro de Canoas. Diego preferia a Capela La Salle, do outro lado da linha do trem. Acabaram unindo-se só no civil, sobretudo após uma prima de Diego, Tatiana Silva dos Anjos, reivindicar o direito de casar primeiro na La Salle por ser mais velha. Ao receber o convite de casamento da prima, Diego ouviu um ultimato de Deise:
— Ou tu fica do lado dela ou do meu.
Na antevéspera do último Natal, três semanas atrás, Tatiana, a mãe dela, e uma tia morreram, após comerem um bolo envenenado com arsênico. Desde o início das investigações, Deise foi a principal suspeita do triplo homicídio, o mais rumoroso caso da crônica policial gaúcha dos últimos tempos. O que a Polícia Civil ainda não cogitava é que poderia estar diante de uma serial killer, até agora investigada por ao menos quatro mortes e outras três tentativas de envenenamento.
Entre as vítimas apontadas pela investigação estão o sogro de Deise, Paulo dos Anjos, morto em setembro, e a sogra, Zeli Teresinha, que recebeu alta na manhã desta sexta-feira (10), após 18 dias internada em Torres. Ao mesmo tempo em que Zeli deixava o Hospital Nossa Senhora de Navegantes, a delegada regional do Litoral Norte, Sabrina Deffente, explicitava a suspeita de se tratar de assassinatos em série:
— Há fortes indícios de que ela tenha praticado outros envenenamentos em pessoas próximas da família.
Gestora financeira formada pela Universidade La Salle, Deise está desempregada. Seu último ofício foi como secretária-executiva de um escritório de advocacia do qual saiu em 2023, mesmo ano em que concluiu a graduação. Aos 42 anos, já trabalhou como auxiliar de contabilidade e auxiliar administrativa em Canoas e em Nova Santa Rita, seu domicílio atual. Por conta do serviço de Diego, funcionário de uma indústria de máquinas agrícolas, o casal morou também em Indaiatuba, no interior de São Paulo, e em Catalão (GO), onde viveu entre 2013 e 2017 com a mudança custeada pelos pais de Diego.
Foi na casa dos sogros em Arroio do Sal que Deise foi presa em 5 de janeiro, um domingo. Por volta das 17h, o delegado Marcos Veloso e três agentes, entre eles uma mulher, foram até a residência em uma viatura discreta, escolhida para não assustar o filho do casal, de nove anos. Ao receber voz de prisão, agiu normalmente, em contraste com o nervosismo de Diego. Deise foi acomodada no banco de trás, sem algemas, e depois transferida para viatura ostensiva na qual foi levada ao Presídio Feminino de Torres.
A desconfiança da polícia surgiu logo nos primeiros depoimentos. Classificada como dissimulada e manipuladora pelos parentes do marido, Deise chegou a ser alvo de um pedido de prisão no dia de Natal, 25 de dezembro. No dia seguinte, porém, Veloso voltou atrás. Para não basear as suspeitas apenas em provas testemunhais, o delegado decidiu esperar laudos laboratoriais, como a perícia no bolo e análise do celular dela e do marido. Dessa forma, Veloso requisitou apenas a condução coercitiva do casal. Ouvida durante mais de cinco horas, Deise respondeu a todas as perguntas, fazendo um inventário das divergências que nutria com a família.
— Me chamou a atenção a tranquilidade. Aceitou falar, não quis permanecer em silêncio nem constituir advogado. A sensação era de que ela tinha certeza de que iria se livrar — comenta o delegado.
No depoimento, Deise relatou brigas com a sogra Zeli, com a irmã dela, Maida, e com Tatiana, prima de Diego, todas contaminadas pelo bolo envenenado, as duas últimas de forma letal. Além do ciúme relatado pelo casamento de Tatiana, Deise contou que foi bloqueada por Zeli no WhastApp em 2021, após impedir a sogra de tirar fotos ao lado do neto na cerimônia de formatura do guri na pré-escola.
Sobre Maida, disse que considerava ela a "rica" da família e manifestou desconforto por ela ter dado máquinas de lavar às irmãs atingidas pela enchente e ter entregue os equipamentos não na casa da sogra, já limpa, mas na da mãe de Tatiana, Neuza, ainda enlameada. Neuza também morreu após comer o bolo.
Em 21 de novembro, um mês antes do fatídico café da tarde em Torres, Deise prestou queixa contra o marido, alegando ter sido agredida após uma discussão. Na ocasião, fez questão de dizer que as brigas começaram logo no segundo mês de casamento, provocadas pela intervenção da sogra. Zero Hora tenta contato com Diego, mas não conseguiu até a publicação desta reportagem.
Desde a prisão, a polícia não interrogou mais Deise. Os investigadores esperam avançar na apuração sobre possíveis envenenamentos anteriores e coletar mais provas antes de nova inquirição.
— Vamos aguardar novas perícias, ouvir mais pessoas. Nosso objetivo é entender a mente dela, buscar as razões para saber por que ela fez o que fez — diz Veloso.
Encarcerada desde o último domingo numa cela diminuta do presídio de Torres, Deise ainda não recebeu nenhuma visita.