
Se o Supremo Tribunal Federal (STF) seguir proposta defendida pelo presidente da corte, Dias Toffoli, uma minoria de casos já sentenciados da Operação Lava-Jato será revista com base no novo entendimento sobre a ordem de fala dos acusados em processos.
O STF decidiu, em julgamento concluído na quarta-feira (2), que réus colaboradores devem apresentar suas alegações finais nos processos antes dos demais acusados, como forma de garantir o direito à ampla defesa. A iniciativa gerou temores quanto a um efeito cascata sobre dezenas de casos já julgados da operação iniciada no Paraná.
Toffoli propõe que só sejam revistas sentenças em que os réus acusados questionaram ainda na primeira instância o formato de apresentação de considerações finais nos processos e em situações em que fique demonstrado que houve prejuízo com essa negativa.
A reportagem analisou sentenças recentes da Lava-Jato no Paraná, e há poucos questionamentos a esse formato de manifestações nos processos. Conforme o jornal Folha de São Paulo, a discussão sobre a ordem das alegações finais passou praticamente despercebida durante o auge da operação em Curitiba.
As defesas costumavam pedir a nulidade de processos com argumentos como supostas irregularidades na investigação de suspeitos com foro especial ou o uso de mensagens de um aplicativo desenvolvido no Canadá sem que houvesse cooperação formalizada com o Brasil.
O debate sobre as alegações finais chegou ao STF a partir de questionamento do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, que conseguiu em agosto, com esse argumento, a anulação de sua condenação, imposta em primeira instância pelo então juiz Sergio Moro.
Após a iniciativa de Bendine na primeira instância, a defesa do ex-presidente Lula também fez pedido semelhante no caso em que ele foi condenado por corrupção e lavagem em decorrência de reformas pagas por empreiteiras em um sítio que frequentava em Atibaia (SP).
No fim de 2018, a juíza substituta Gabriela Hardt negou que delatados apresentassem as alegações finais por último argumentando que não existe nenhuma lei que estabeleça essa ordem.
O ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira também havia solicitado na primeira instância esse benefício. Foi um pedido de extensão do benefício dado a Bendine, encaminhado pela defesa do ex-gerente, que motivou o julgamento concluído na quarta-feira no plenário do STF.
Além dos casos do sítio e do ex-gerente, a reportagem localizou apenas um outro questionamento sobre a ordem de apresentação de alegações finais, feito ainda em 2015. Naquele ano, a defesa do operador Adir Assad chegou a pedir a Moro que suas alegações finais fossem apresentadas por último no processo, o que foi negado à época. Assad foi condenado no processo, mas trocou de advogados, decidiu se tornar delator e saiu da cadeia em 2016.
A força-tarefa da Lava-Jato no Paraná estimou em agosto que, caso o entendimento que favoreceu Bendine fosse estendido a todos os casos da operação, 32 sentenças seriam anuladas, afetando 143 dentre 162 réus julgados.
O levantamento não computa os casos envolvendo o ex-governador fluminense Sergio Cabral, e ações conexas a ele, que estão sob responsabilidade do juiz Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro.
Em 2019, o ritmo de expedição de sentenças da operação em Curitiba caiu de maneira significativa. Desde que o sucessor de Moro, Luiz Antonio Bonat, assumiu a frente dos casos, em março, ainda não foram publicadas novas condenações na primeira instância.
Bonat está às voltas com um dos mais amplos casos da operação, a ação penal que trata de irregularidades na construção da sede da Petrobras em Salvador, com mais de 40 réus.
As alegações finais são a última manifestação das partes antes da sentença e são usadas pelos acusados para rebater todos os pontos da acusação. As defesas agora argumentam que, ao apresentar essas manifestações ao mesmo tempo que os delatores, podem ficar sem conhecer todos os aspectos da acusação e, com isso, estão sendo cerceadas.
No julgamento de quarta-feira, Toffoli, após fazer defesa enfática da diferenciação de delatores e delatados, disse que sua proposta serve para resguardar a "previsibilidade e a segurança jurídica". "Penso que terá a relevantíssima função jurídica de proteger a confiança do particular nos atos do Estado."
A sessão foi encerrada com a definição de que os delatores têm que se manifestar antes dos delatados. Mas não houve definição sobre como esse entendimento afetará casos já julgados. Essa segunda etapa da discussão aconteceria na quinta (3), mas acabou adiada para data ainda não decidida.
Na quarta, o ministro Ricardo Lewandowski reagiu à ideia de discutir uma limitação aos efeitos da decisão. Disse que a proposta de Toffoli pode representar um "contra-HC" (habeas corpus) que prejudica réus que ainda não levantaram na Justiça a questão da ordem das alegações finais.