A Caixa Econômica Federal pediu à Justiça nesta quinta-feira (3) a liquidação do conglomerado de construção Odebrecht, de acordo com documento judicial ao qual a agência de notícias Reuters teve acesso.
O banco estatal também quer que o juiz permita aos credores nomear novos administradores para o conglomerado e suas subsidiárias em uma assembleia. A Odebrecht, que pediu recuperação judicial em junho, apresentou um plano de reestruturação que foi contestado por muitos credores.
Na semana passada, a Caixa havia pedido à Justiça a extinção da recuperação judicial do grupo baiano Odebrecht, alegando a existência de irregularidades técnicas no processo. A petição foi protocolada na 1ª Vara Cível de Recuperações e Falências de São Paulo nesta segunda-feira (23).
Nesta quinta, o Banco do Brasil se juntou aos credores insatisfeitos e também solicitou à Justiça que anule o plano de recuperação judicial e obrigue o conglomerado baiano a apresentar uma nova oferta aos seus credores.
Outras quatro instituições financeiras também apresentaram objeções ao plano, solicitando a convocação imediata de uma assembleia de credores, embora sem pedir a anulação completa do plano proposto.
São as elas os bancos estatais Banrisul, do governo do Rio Grande do Sul, e Finep, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e os privados Santander e Votorantim. O BB é sócio do Votorantim com 50% de participação; o restante pertence ao grupo do mesmo nome.
Sem condições de pagar dívidas que somam R$ 98,5 bilhões após a crise de reputação deflagrada pela Operação Lava-Jato, a holding Odebrecht e outras 21 empresas controladas pediram, em junho deste ano, a suspensão de ações e execuções de dívidas para evitar a falência.
No mês seguinte, o conglomerado entregou seu plano de recuperação à Justiça.
A empresa teria, então, seis meses para convocar a assembleia de credores, que pode aprovar ou rejeitar o plano.
A oferta aos credores consiste na conversão de sua dívida em títulos de participação nos resultados, que só serão pagos por meio de dividendos quando e se as empresas do grupo voltarem a dar lucro. Na prática, transforma os bancos credores quase em sócios. E é exatamente esse ponto que mais incomoda os bancos.
Na petição entregue pelo BB, os advogados argumentam que o plano "não permite aos credores conhecer, objetivamente, quanto e quando receberão seus créditos".
Os representantes do Santander são mais incisivos.
"As previsões de pagamento são genéricas e não detalham qual será efetivamente o deságio aplicado aos créditos dos credores, prazo de início de pagamento, carência, correção monetária."
E continuam: "Da forma como está estruturado, o credor praticamente vira sócio das empresas em recuperação judicial e passa o correr o risco do resultado futuro e incerto das companhias".
Outro ponto que desagrada os bancos é a possibilidade de o grupo vender ativos sem autorização judicial prévia. "O devedor em recuperação judicial não pode alienar ou onerar bens e diretos do seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz", diz o BB.
Desde o início, os assessores da Odebrecht já admitiam que o plano era vago e havia sido entregue apenas para cumprir o prazo determinado pela Justiça. Também sinalizavam que avançariam no detalhamento das propostas à medida que as negociações diretas avançassem.
O problema é que os pontos levantados pelos bancos são o cerne do plano elaborado pela RK Partners e pelo escritório E. Munhoz Advogados, os assessores da Odebrecht.
Fontes próximas à companhia dizem que a transformação da dívida em títulos é o único caminho disponível, já que a holding do grupo não tem receitas.
As empresas operacionais -como OEC (construção), Atvos (açúcar e álcool) e Braskem (petroquímica)- ficaram de fora do plano. As duas primeiras também estão envolvidas em seus próprios processos de renegociação de dívida.
A empresa também considera fundamental ter liberdade para vender ativos a fim de pagar os credores e voltar a ter lucro.
A alienação da Braskem, o bem mais rentável do grupo, é considerada crucial.
Até agora apenas a Caixa vinha numa postura mais beligerante contra a Odebrecht, já que o banco é o único dos grandes que não possui ações da Braskem como garantia para seus empréstimos.
Banco do Brasil, BNDES, Itaú, Bradesco e Santander têm pelo menos parte de sua exposição avalizada por esses papéis. Essa nova investida judicial dos bancos mostra uma mudança de postura.
Segundo apurou a reportagem, BB, BNDES e Santander estão mais expostos a perdas quando os papéis da Braskem se desvalorizam, enquanto Itaú e Bradesco têm preferência na hora de receber. Os dois últimos bancos ainda não se manifestaram perante à Justiça. O BNDES também não.
Outro lado
A Odebrecht afirma ser natural, em qualquer recuperação judicial, que credores façam questionamentos; disse ser "mero cumprimento de formalidades". A empresa diz que "vêm tendo reuniões frequentes com os principais credores, trabalhando exatamente na elaboração de uma proposta de recuperação judicial que possa ser aprovada na assembleia de credores".
A empresa afirma que se transformou inteiramente: "aperfeiçoou a governança, implantou sistema de prevenção, detecção e punição de qualquer risco de corrupção". O Banco do Brasil não se manifestou.
A crise de Odebrecht
A empresa foi duramente atingida pelas investigações da Operação Lava-Jato e suas consequências jurídicas e administrativas, com pagamento de pesadas punições. Só no Brasil, a Odebrecht foi condenada a pagar R$ 6,7 bilhões em multas, ao longo de 20 anos, para compensar crimes cometidos por seus executivos.
Também houve cobrança de multas no Exterior. Um dos motivos para o pedido de recuperação foi exatamente a frustração da venda da Braskem, que deveria injetar cerca de R$ 17 bilhões em recursos líquidos nos cofres da controladora. Se o negócio tivesse sido fechado, teria dado confiança aos credores da controladora de as dívidas estavam suficientemente garantidas.
Além de incertezas sobre a política do governo brasileiro para o setor de óleo e gás ainda não removidas pelo governo Jair Bolsonaro, a transação não avançou por incidentes não comunicados ao comprador, como um problema ambiental com uma mina de sal-gema da Braskem em Alagoas, e outro pedido de recuperação judicial de uma empresa do mesmo controlador, a Atvos, que produz etanol.
Em maio, em um esforço para desvincular sua imagem da Operação Lava-Jato, a construtora mudou seu nome e sua marca para OEC. O sobrenome da família continuou no logo da empresa, porém de forma mais discreta.