O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divulgou uma carta nesta segunda-feira (30) na qual diz que não aceita barganhar seus direitos para sair da prisão. "Não troco minha dignidade pela minha liberdade", afirmou. "Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade", disse.
A carta foi divulgada após a força-tarefa da Operação Lava-Jato ter recomendado à Justiça Federal que conceda a progressão de regime (de fechado a semiaberto) ao petista, que está preso desde abril de 2018. Lula atingiu a marca de um sexto da pena por corrupção e lavagem no caso do tríplex de Guarujá, principal requisito para que ele saia do regime fechado de prisão.
A manifestação da Lava-Jato e a resistência do ex-presidente ocorrem às vésperas de julgamentos do Supremo Tribunal Federal que podem ter desdobramentos em sua condição. Um dos advogados que esteve com Lula nesta segunda considera que a saída do petista será inevitável e que a manifestação da força-tarefa de Curitiba visa se adiantar para evitar um protagonismo do STF.
Lula já havia manifestado anteriormente que só pretendia deixar a prisão sendo considerado inocente pela Justiça. O petista resiste, por exemplo, à possibilidade de usar tornozeleira eletrônica.
Nesta segunda, a defesa do ex-presidente pediu ao Supremo que a ação que questiona a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, seja julgada com urgência pela Segunda Turma. Se a corte julgar que houve parcialidade, a condenação no caso do tríplex poderia ser anulada e o petista, solto.
Há ainda outros pedidos que o STF deve analisar neste semestre e que podem ter desdobramentos favoráveis a Lula: a validade de sentenças em que a última palavra nos processos foi dos delatores, e não dos réus delatados; e a prisão antes de serem esgotadas as possibilidades de recurso.
Esses julgamentos podem ter impacto no caso do triplex de Guarujá (pelo qual Lula já foi condenado até a terceira instância) ou no do sítio de Atibaia (pelo qual já foi condenado em primeira instância).
Em documento protocolado na tarde de sexta (27), a equipe da Lava-Jato afirma que Lula já cumpre as condicionantes para que progrida de regime, como bom comportamento na cadeia. A recomendação, assinada pelos 15 procuradores do grupo de Curitiba, incluindo Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, será avaliada pela juíza Carolina Lebbos, responsável pela administração do cumprimento da pena do ex-presidente. Nesta segunda, ela publicou despacho em que pede uma "certidão de conduta carcerária" do petista.
A carta
Na carta desta segunda-feira, Lula afirma que "tudo que os procuradores da Lava-Jato realmente deveriam fazer é pedir desculpas ao povo brasileiro, aos milhões de desempregados e à minha família, pelo mal que fizeram à democracia, à Justiça e ao país".
"Já demonstrei que são falsas as acusações que me fizeram. São eles e não eu que estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e ao mundo", afirma o petista.
Cabe agora à Suprema Corte corrigir o que está errado, para que haja justiça independente e imparcial
LULA
Em carta na qual recusa a progressão de regime
O ex-presidente também diz em seu comunicado que, diante das "arbitrariedades" cometidas pelos procuradores da Lava Jato e pelo ex-juiz Sergio Moro, "cabe agora à Suprema Corte corrigir o que está errado, para que haja Justiça independente e imparcial".
"Tenho plena consciência das decisões que tomei nesse processo e não descansarei enquanto a verdade e a Justiça não voltarem a prevalecer", afirma Lula.
Lula recebe seus advogados duas vezes por dia, de manhã e à tarde, na cela em que está preso. As visitas de líderes petistas são comuns. Alguns políticos da cúpula do partido insistiam para Lula solicitar o benefício para sair da cadeia, mesmo que de tornozeleira eletrônica. Diziam, no geral, que a população sabe de sua inocência e que a oposição precisa dele fora da prisão para construir seu discurso.
O ex-presidente, no entanto, tem se mostrado irredutível, sobretudo quanto à possibilidade de usar tornozeleira. Ele considera que sair de tornozeleira seria humilhante e um grande dano para a sua imagem.
"O que estamos fazendo é cumprir a lei", diz Deltan Dallagnol
O procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, disse nesta segunda que o Ministério Público está apenas cumprindo a lei ao pedir que Lula vá ao regime semiaberto.
Segundo ele, "o Estado não pode exercer seu poder de prisão para além do que tem direito". "Assim, uma vez cumpridos os requisitos, normalmente os réus pedem a progressão [de regime]. Se o réu não pedir, é obrigação nossa, do Ministério Público pedir", afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan.
"O que estamos fazendo nesse caso é cumprir a lei como faríamos no caso dos demais presos. O ex-presidente Lula, como os demais, deve cumprir nem mais nem menos", disse o procurador. Deltan disse ainda que o tempo do processo de Lula e as penas aplicadas a ele estão dentro da média dos demais. "Recebe o tratamento padrão", afirmou.
Reunião com Gleisi e Haddad
Antes da divulgação da carta, Lula esteve nesta segunda com os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira e outras seis pessoas incluindo Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência em 2018, e a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann.
Gleisi criticou a manifestação da força-tarefa dizendo que ela "não tem precedentes na história da Lava Jato".
— Aliás, milhares de presos no Brasil inteiro esperam para ter a sua progressão [...] sendo que o Ministério Público dificilmente toma essa decisão — afirmou.
Questionada pela reportagem, a força-tarefa da Lava-Jato ainda não respondeu se já fez esse tipo de pedido de progressão de regime para algum outro preso na história da operação.
Já Haddad disse que a pendência no julgamento do STF sobre a suspeição de Moro "precisa ser resolvida" e que seria "razoável" que os procuradores da Lava-Jato pedissem, primeiramente, agilidade nesse julgamento junto ao Supremo.
Juíza pede relatório da PF
O despacho da juíza Carolina Lebbos pedindo posicionamento de Lula sobre a manifestação do Ministério Público Federal foi cadastrado no processo por volta das 13h20. A defesa terá cinco dias para se pronunciar, contados a partir da intimação.
Zanin disse que não está se cogitando nenhum tipo de descumprimento de decisão judicial, porque ainda haverá manifestação da defesa. Segundo ele, Lula "está reafirmando e sendo coerente com a posição que sempre manifestou".
A rejeição de Lula à progressão de regime não é nova. Conforme o jornal Folha de S.Paulo publicou em agosto, o ex-presidente havia determinado a seus advogados que não solicitassem à Justiça a mudança de seu regime de prisão do atual fechado para semiaberto ou aberto.
O petista avisou na ocasião que só pretende ir para casa após eventual absolvição ou anulação da sentença que o condenou no caso do triplex de Guarujá. Nesse caso, o petista também teria de volta os seus direitos políticos, que foram cassados após a condenação em segunda instância, quando ele foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
Livros podem reduzir pena
Até agora, Lula não requisitou nenhum benefício para o encurtamento da sua pena. O ex-presidente leu dezenas de livros na cadeia. Poderia, de acordo com a Lei de Execução Penal, ter feito resumo das obras e com isso teria abatido dias de prisão.
A legislação determina que para cada livro resumido sejam descontados quatro dias na pena. O limite é de 12 resumos por ano.
Lula está preso desde o dia 7 de abril de 2018 em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local mede 15 metros quadrados, tem banheiro e fica isolado no último andar do prédio. Ele não tem contato com outros presos, que vivem na carceragem, no primeiro andar.
A pena de Lula foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em oito anos, 10 meses e 20 dias. O petista foi condenado sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá, como propina paga pela OAS em troca de três contratos com a Petrobras, o que ele sempre negou.
Julgamento da suspeição de Moro nas próximas semanas
Essa orientação de Lula para seus advogados embaralha todo o cenário sobre ele até o final do ano.
O pedido de progressão de regime prisional de Lula feito pela equipe da Lava-Jato ocorre às vésperas de julgamentos do Supremo que podem colocar o petista em liberdade.
Nas próximas semanas, o STF deve retomar o julgamento da alegada suspeição do ex-juiz. Os magistrados da Segunda Turma vão voltar a discutir um pedido de habeas corpus formulado pela defesa do petista no qual se alega a falta de imparcialidade de Moro na condução do processo do tríplex.
Um conjunto de mensagens revelado pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa em que o magistrado aparece orientando procuradores e criticando a defesa do ex-presidente foi anexado para reforçar a tese da falta de isenção do hoje ministro da Justiça. Também há no recurso do petista documentos que indicam que Moro determinou o monitoramento do telefone central do escritório dos advogados do ex-presidente, o que é proibido por lei.
A defesa de Lula apresenta como prova o depoimento de um advogado que teve acesso a relatórios que descreviam conversas de advogados sobre estratégias de defesa de Lula. Se a solicitação for aceita, a sentença pode ser anulada e o caso voltaria aos estágios iniciais. Com isso, Lula poderia sair da cadeia.
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, também já indicou aos colegas estar disposto a levar ao plenário até novembro as ações que questionam a constitucionalidade das prisões após condenação em segunda instância uma das principais bandeiras da Lava Jato.
Leia a íntegra da carta:
"Ao povo brasileiro
Não troco minha dignidade pela minha liberdade
Tudo que os procuradores da Lava Jato realmente deveriam fazer é pedir desculpas ao povo brasileiro, aos milhões de desempregados e à minha família, pelo mal que fizeram à democracia, a Justiça e ao país.
Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade.
Já demonstrei que são falsas as acusações que me fizeram. São eles e não eu que estão presos às mentiras que contaram ao Brasil e e ao Mundo.
Diante das arbitrariedades cometidas pelos Procuradores e por Sergio Moro, cabe agora à Suprema Corte corrigir o que está errado, para que haja Justiça independente e imparcial. Como é devida a todo cidadão.
Tenho plena consciência das decisões que tomei nesse processo e não descansarei enquanto a verdade e a Justiça não voltarem a prevalecer.
Curitiba 30/09/2019
Lula"