Todo o enredo, da concepção à votação do pacote de contenção de gastos enviado pelo governo federal ao Congresso, mostra que os representantes dos poderes da República não compreendem de forma adequada os riscos do desequilíbrio fiscal para o Brasil. Ou, mais preocupante, colocam interesses políticos e corporativos à frente das necessidades do país, ainda que o resultado seja a escalada do dólar, do juro e da inflação, levando a economia a mais um voo de galinha.
Ainda há tempo de evitar desdobramentos mais graves para a economia brasileira.
A sequência de negligências começa com a elaboração do conjunto de medidas pelo governo - após semanas de hesitação -, incapaz de frear o crescimento da dívida pública em relação ao PIB. De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, o percentual deve fechar o ano em 78,3% e, em 2025, em 81,4%, mantendo uma trajetória explosiva, até chegar a 116,3% até 2034. É um cenário alarmante. Significa perda de confiança no país pela perspectiva de continuidade de aumento de gastos e imposição de juro em patamares estratosféricos.
A irresponsabilidade prosseguiu no Congresso. Além da chantagem contra o governo, segurando as votações até a liberação das emendas, deputados e senadores desidrataram ainda mais o pacote já módico. O comportamento, lamentável mas nada surpreendente, dá a entender que os legisladores priorizam garantir as próprias regalias que asseguram a renovação de seus mandatos e a vitória de aliados em seus redutos políticos. O Planalto sequer pode reclamar do centrão. O próprio PT e outros partidos de esquerda trabalharam para deixar a contenção de gastos menor. No embalo da desarticulação do governo, o Congresso aproveitou para deixar uma fresta aberta, na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, para elevar de R$ 1,3 bilhão para 1,7 bilhão os recursos do Fundo Partidário e vetar o corte de emendas impositivas, a não ser na hipótese de queda da arrecadação.
Também foi sem constrangimento a pressão de membros dos altos escalões do fucionalismo público para assegurar brechas para a manutenção de supersalários, acima do teto constitucional, por meio de penduricalhos. Ao fim, o Congresso cedeu, dificultando a moralização dos vencimentos de altos cargos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, correu para demonstrar otimismo, tão logo o Congresso finalizou a votação do pacote. Assegurou que as alterações do Congresso diminuem em apenas R$ 1 bilhão a economia prevista para os próximos dois anos, originalmente de R$ 71,9 bilhões. O problema é que a contenção projetada pelo governo já era considerada pouco crível.
Em vídeo publicado na sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acenou com a possibilidade de novas medidas em 2025. Espera-se que venham e a manifestação não seja uma estratégia apenas para acalmar momentaneamente o mercado. Ainda há tempo de evitar desdobramentos mais graves para a economia brasileira.
Por enquanto, preocupa um governo que não enxerga a gravidade do cenário para os próximos anos, um Congresso preocupado apenas com a própria perpetuação eleitoral e um topo do funcionalismo que vive uma realidade à parte da esmagadora maioria da população. São mundos paralelos, bem diferentes de onde vivem os brasileiros mais humildes que passarão maior aperto no dia a dia com inflação alta, juro extorsivo e dólar acima de R$ 6.