A inconsequência do governo Jair Bolsonaro com a permissividade excessiva para a concessão de registros de colecionador, atirador e caçador (CAC) somada à falta de fiscalização adequada voltou a ser escancarada. Apenas no Rio Grande do Sul, cerca de 700 indivíduos com direito à posse de arma de fogo para exercer alguma destas atividades têm condenação criminal e mais de cem são alvo de mandado de prisão. Pessoas com histórico do gênero jamais deveriam ter facilidade para adquirir armamentos e munição. Ao fim, foi uma política que municiou delinquentes e facções.
Entre CACs no Estado, estão sentenciados por homicídio, estupro, sequestro seguido de morte e tráfico de drogas
Essa realidade foi desnudada por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) finalizada neste ano no sistema de controle de armas e munições do Exército, responsável pela emissão das licenças e controle dos CACs. A conclusão apontou as fragilidades do processo e o tamanho do absurdo criado. De 2019 a 2022, mais de 5 mil condenados por homicídio, tráfico de drogas e outros crimes obtiveram ou renovaram o registro de CAC. Ir atrás destas pessoas era um passo seguinte mandatório.
Foi o que fez a Procuradoria de Justiça Militar em Santa Maria, de posse dos dados do Estado. O resultado foi a deflagração, na terça-feira, da Operação Desarme, do Ministério Público Militar (MPM), em parceria com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público. A ofensiva mirou, inicialmente, 41 CACs condenados ou vinculados a organizações criminosas. Foram expedidos 82 mandados de busca e apreensão em 34 municípios gaúchos e um em uma cidade catarinense. Além de armas e munições, até um artefato explosivo antitanque foi apreendido. A suspeita óbvia era de que esses elementos buscavam aumentar o poder de fogo de grupos criminosos. Entre essas pessoas, estão sentenciados por homicídio, estupro, sequestro seguido de morte e tráfico. Um deles tinha 29 armas regularizadas. Outro cumpre condenação preso. Um rematado descalabro.
No período analisado pelo TCU, o número de CACs subiu 600%. Até o nome de mortos foi usado para obter registros. Outros 22 mil, provavelmente laranjas, eram listados no CadÚnico, o cadastro federal de brasileiros aptos a benefícios de programas de transferência de renda.
Em julho de 2023, um decreto do governo Luiz Inácio Lula da Silva endureceu as regras de registro, posse e porte de armas de fogo e para a atividade de CAC. Mas ainda é preciso aperfeiçoar o controle, mantendo nesta condição apenas os cidadãos idôneos que, de fato, são colecionadores, atiradores desportivos e caçadores. A gestão Lula, no entanto, patina na promessa de apertar ainda mais o cerco às irregularidades.
Em outubro, após o episódio do atirador de Novo Hamburgo que matou quatro pessoas e tirou a própria vida e era registrado como CAC apesar do histórico de problemas de saúde mental, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, prometeu pente-fino nas licenças e revisão de critérios. Não há notícias de avanços. Uma providência, anunciada antes, seria a transferência do controle dos CACs do Exército para a Polícia Federal (PF). Ocorreria a partir de 1º de janeiro de 2025, mas deve demorar pelo menos mais seis meses pela falta de verba e recursos humanos na PF. Está instalado o impasse. Aguarda-se que o governo Lula entregue logo a promessa de maior fiscalização.