O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que réus que não são delatores precisam se manifestar por último em ações penais deve fazer um dos principais casos da Lava-Jato do Paraná retroceder em nove meses.
O processo em que o ex-presidente Lula foi condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses por corrupção e lavagem de dinheiro em decorrência de reformas bancadas por empreiteiras em um sítio de Atibaia (SP) já se encaminhava para a fase decisiva na segunda instância, mas agora tende a ser revisto.
Por sete votos a três, o STF formou maioria na última quinta-feira (26) a favor de tese levantada pela defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Ele teve anulada em agosto, por um grupo de ministros da corte, sua condenação em primeira instância que tinha sido imposta pelo então juiz Sergio Moro, em 2017.
Os advogados de Bendine argumentaram na ocasião que tiveram direitos cerceados porque apresentaram suas considerações finais no processo em primeira instância em prazo igual ao dos delatores do caso, que tinham feito acusações contra ele ao longo da tramitação.
Chamado a se pronunciar sobre o assunto, o plenário do Supremo, composto pelos 11 juízes, começou a julgar na semana passada pedido semelhante de um ex-gerente da Petrobras. Mesmo com a maioria formada, o julgamento não foi encerrado e será retomado na próxima quarta-feira (2). Os efeitos do precedente estabelecido ainda são incertos.
O presidente da corte, Dias Toffoli, defendeu publicamente criar um limite para os alcances da decisão, o que evitará uma enxurrada de anulações de sentenças já publicadas ao longo da Lava Jato. Uma hipótese é a de que só tenham sentenças revistas os processos em que o réu reivindicou ainda na primeira instância o direito a apresentar as alegações finais após os delatores.
Se esse for o parâmetro fixado pelos ministros, o caso do sítio de Atibaia se enquadraria nos critérios e voltaria para o primeiro grau. Seria preciso refazer não só a sentença, como também a etapa de alegações finais — fase em que as partes apresentam seus últimos argumentos ao juiz antes da publicação da sentença.
Essa fase havia sido concluída em janeiro passado, um mês antes da publicação da sentença pela juíza federal Gabriela Hardt, que à época era a magistrada à frente da operação em Curitiba.
Além das etapas a serem refeitas, outro fator deve impactar o andamento dessa ação penal contra o ex-presidente: o caso mudará de mãos. Agora, a sentença deverá ser de responsabilidade de um magistrado que ainda não havia se debruçado sobre o assunto, o juiz Luiz Antonio Bonat, que assumiu a titularidade da Vara Federal da Lava-Jato em março deste ano.
Com a eventual anulação da sentença de Hardt, Bonat precisará revisitar numerosas provas colhidas ao longo do processo aberto em agosto de 2017. As audiências e os depoimentos não precisarão ser refeitos, mas o juiz da Lava-Jato terá de analisar tudo o que já foi produzido para tomar a nova decisão sobre condenação ou absolvição de réus. Só a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal tem 168 páginas e 400 documentos anexos, que tratam de 13 réus — um deles foi absolvido por Hardt em fevereiro.
As alegações originalmente apresentadas pela defesa de Lula e que devem ser reencaminhadas são ainda mais extensas: somam 1.643 páginas e 23 documentos anexos. Ao longo do processo, foram arroladas cerca de 150 testemunhas entre as de acusação e de defesa.
Em quase sete meses à frente da Lava-Jato, Bonat ainda não expediu sentenças na operação. Em maio, uma resolução da Justiça autorizou Hardt a atuar em conjunto com ele em casos da Lava-Jato, mas não em processos já abertos. A juíza despacha apenas em casos em fase de inquérito ou em questões paralelas às ações penais.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), corte com sede em Porto Alegre que funciona como segunda instância da Justiça Federal no Paraná, o caso do sítio também está com tramitação avançada.
No último dia 11, o juiz relator, João Pedro Gebran Neto, concluiu sua análise do processo e encaminhou o caso para o magistrado revisor, o que sinaliza que a data do julgamento poderia ser marcada nas próximas semanas. Se Lula tivesse a condenação do sítio confirmada em segunda instância, ele começaria a cumprir pena também nesse caso a partir do momento em que não houver mais possibilidade de recursos na corte em Porto Alegre.
No caso do tríplex de Guarujá (SP), pelo qual foi condenado por corrupção e lavagem, o ex-presidente atingiu a marca de um sexto da pena cumprida e tem direito à progressão para o regime semiaberto. O MPF já concordou com o benefício, e a defesa diz que vai discutir o assunto com o petista nesta segunda-feira (30).
Lula diz que não quer sair da prisão usando tornozeleira eletrônica. Ele está detido em Curitiba desde abril de 2018. Os advogados ainda tentam anular as três ações penais contra Lula que foram iniciadas no Paraná argumentando que Sergio Moro (magistrado responsável pela abertura desses três processos), não tinha a imparcialidade necessária para julgar.
Um julgamento sobre esse pedido foi interrompido na segunda turma do Supremo, composta por cinco dos 11 ministros, em junho, e ainda não há data para a retomada. Uma ação penal sobre suposto favorecimento da Odebrecht que tramita em Curitiba ainda não foi sentenciada.
Entenda a decisão do STF
O que o Supremo discutiu?
Na quinta-feira (26), o plenário formou maioria para confirmar o entendimento da segunda turma de que, em um processo com réus delatores e delatados, os delatados têm o direito de falar por último — devem oferecer suas alegações finais depois dos réus delatores. O caso julgado era o pedido de habeas corpus do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção e lavagem. O julgamento deve levar à anulação da condenação de Ferreira.
O que são as alegações finais?
São a última etapa de uma ação penal antes da sentença que pode absolver ou condenar os réus. É a última oportunidade para as partes apresentarem seus argumentos.
Qual foi a interpretação do Supremo?
A maioria dos ministros entendeu que a figura do delator é diferenciada e não está na mesma condição processual do delatado. Para garantir o amplo direito à defesa, assegurado pela Constituição, os magistrados decidiram que o réu delatado pode apresentar suas alegações depois do réu delator — tendo a oportunidade de se defender de todas as acusações. O julgamento foi interrompido pelo presidente da corte, Dias Toffoli, e deve ser retomado na próxima quarta-feira (2).
Qual havia sido o caso julgado na Segunda Turma?
Em agosto, a segunda turma decidiu anular a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras. Foi a primeira vez que o STF anulou uma condenação imposta pelo ex-juiz Sergio Moro na Operação Lava Jato. Os ministros concordaram com a tese da defesa de Bendine. Para os advogados, ele deveria ter apresentado suas alegações finais depois dos outros acusados, ex-executivos da Odebrecht que fecharam acordo de delação premiada, porque os réus delatores trouxeram acusações contra ele que não puderam ser rebatidas. Moro abriu prazo para todos os réus simultaneamente.