Nesta semana, a Justiça Federal rejeitou denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu irmão Frei Chico e três membros da Odebrecht. Para o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo, a equipe da força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo se baseou unicamente na palavra de delatores, sem apresentar provas que sustentassem as acusações.
Entenda o que afirma a Lava-Jato e quais os argumentos do magistrado para rejeitar a denúncia
Quem foi denunciado pelo Ministério Público Federal e por quais crimes?
Lula e seu irmão Frei Chico foram denunciados sob acusação de corrupção passiva. Emilio e Marcelo Odebrecht, donos da empresa, e Alexandrino Ramos Alencar, ex-diretor da empreiteira, foram denunciados por corrupção ativa.
Em que se baseia a denúncia?
A Odebrecht teria pago mesada ao sindicalista Frei Chico, irmão de Lula, como parte de pacote de vantagens indevidas ao ex-presidente. Em troca, segundo a Procuradoria, a empreiteira obtinha benefícios com o governo federal.
Frei Chico teria recebido pagamentos da Odebrecht por quanto tempo?
A denúncia afirma que, no início da década de 1990, a empreiteira contratou Frei Chico para prestar serviços de consultoria sindical, os quais foram efetivamente prestados. A contratação de Frei Chico teria sido uma sugestão de Lula. Para a Odebrecht, a vantagem seria, para além da reconhecida atuação do irmão do petista no meio sindical, obter o apoio de Lula — que, na época, havia sido candidato à Presidência uma vez, em 1989. As remessas eram feitas por transferência bancária ou cheques, com emissão de notas.
Em 2002, quando Lula foi eleito presidente, a Odebrecht decidiu suspender o contrato, mas, segundo a Procuradoria, continuou pagando trimestralmente uma mesada a Frei Chico (inicialmente de R$ 3 mil, depois reajustada para R$ 5 mil).
Dessa vez, diz a denúncia, os pagamentos eram efetuados em espécie. Eles teriam ocorrido de janeiro de 2003 a meados de 2015, totalizando cerca de R$ 1,3 milhão, em valores corrigidos. O responsável por fazer a entrega diretamente a Frei Chico seria Alexandrino.
Os pagamentos seriam processados pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, responsável por esquemas e propinas. O codinome de Frei Chico, usado para registrar o pagamento no sistema da empreiteira, era "Metralha".
O que a Odebrecht receberia em troca?
Segundo a Procuradoria, a Odebrecht pagava a Frei Chico com o intuito de que Lula não interferisse no setor petroquímico, atrapalhando os negócios da Braskem, empresa do grupo. Mais especificamente, a empreiteira queria que Lula não induzisse ou permitisse que a Petrobras voltasse a atuar fortemente no setor, o que poderia prejudicar a Braskem. Para o Ministério Público Federal, o ex-presidente não só sabia dos pagamentos como pediu que eles fossem realizados
A mesada faria parte de um pacote de vantagens indevidas ao ex-presidente. Em troca, segundo a Procuradoria, a empreiteira obtinha benefícios com o governo federal.
Em que se baseia a tese da Procuradoria de que Lula sabia da mesada?
Toda a denúncia da Procuradoria é baseada no depoimento de três delatores da Odebrecht:
Hilberto Silva, que era funcionário do setor da empresa responsável por administrar o pagamento de propinas, disse ter ouvido de Alexandrino que Lula havia solicitado o pagamento das mesadas. Alexandrino afirmou que era responsável por fazer os pagamentos e que Lula sabia do esquema. Emílio, por sua vez, disse que, na época em que Lula foi eleito, deu aprovação implícita para que Alexandrino continuasse efetuando os pagamentos a Frei Chico.
Há também um e-mail de novembro de 2010, trocado entre Marcelo, Hilberto e Alexandrino, em que o herdeiro da Odebrecht autoriza a manutenção do "programa do irmão do chefe com codinome Metralha". O chefe, segundo a Procuradoria, era Lula, mas o e-mail não diz que ele tinha ciência do que ocorria nem que teria oferecido algo em troca.
O Ministério Público Federal, contudo, afirma que só faria sentido levantar a questão sobre a continuidade do pagamento frente ao fato de que, no ano seguinte, Lula deixaria a Presidência.
Por que o juiz arquivou a denúncia?
Para o juiz federal Ali Mazloum, o Ministério Público Federal não apresentou nenhuma prova de que Lula tivesse ciência dos pagamentos a Frei Chico. Ele afirma que a palavra dos delatores, sem elementos que indiquem que os fatos narrados de fato ocorreram, não pode ser considerada indício suficientemente forte para que a denúncia seja aceita.
"A denúncia não pode ser o fruto da vontade arbitrária da acusação, baseada em suposições ou meras possibilidades", diz o magistrado na decisão.
Mazloum não chega a levantar dúvidas sobre a realização dos pagamentos, mas afirma que são insuficientes os elementos que, para o Ministério Público Federal, indicam que Lula sabia de tudo e que o dinheiro teria o objetivo concreto de interferir na política do governo para o setor petroquímico.
Há outros casos em que a denúncia se baseou na palavra de delatores?
Em junho do ano passado, o juiz Vallisney de Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, aceitou denúncia contra o ex-presidente por supostamente aceitar propina da Odebrecht em troca de favores políticos. A defesa de Lula protestou dizendo que o Ministério Público se baseou apenas nas delações de Emílio e Marcelo Odebrecht e em uma planilha apresentada fora dos padrões dos sistemas utilizados pela empresa.
Com que argumentos o magistrado Mazloum discorda dos tipos penais apontados pelo Ministério Público Federal?
A Procuradoria fez uma só acusação referente ao período de 2003 a 2015. O magistrado, porém, afirma que Lula não poderia ser acusado de corrupção passiva por supostos crimes ocorridos no período em que já não era presidente, visto que não ocupava nenhum cargo público.
Isso porque o artigo 317 do Código Penal define o tipo penal como "solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".
Da mesma forma, o crime de corrupção ativa, pelo qual os membros da Odebrecht são acusados, é definido como "oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício".
Para Mazloum, portanto, a lei só permite imputar os crimes de corrupção quando estão envolvidos funcionários públicos em exercício ou prestes a assumir o cargo, mas nunca ex-funcionários.
Em que isso difere de outros casos envolvendo Lula?
Essa é uma interpretação diferente da que teve Sergio Moro, ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, ao condenar Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. A sentença foi confirmada em segunda instância (pelo TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça.
O ex-presidente também foi condenado pelos mesmos crimes no caso do sítio de Atibaia. A defesa recorre da sentença, proferida pela juíza federal de primeira instância Gabriela Hardt.
Por que, na visão do juiz, parte dos crimes já estaria prescrita?
O último pagamento a Frei Chico enquanto Lula era presidente foi feito em 2010. Hoje, o crime estaria prescrito, considerando que o prazo para que isso ocorra é menor quando os acusados são maiores de 70 anos — caso de Lula, Frei Chico, Alexandrino e Emilio Odebrecht.
A exceção é Marcelo Odebrecht, que teria participado do pagamento de apenas uma parcela. O juiz, contudo, afirma que não há provas concretas de que isso ocorreu.
Cabe recurso?
Sim, e a Procuradoria em São Paulo afirmou que pretende recorrer da decisão de Mazloum.
O que dizem as defesas?
Lula e Frei Chico negam ter cometido crimes.