Ataques sistemáticos à imprensa, uso de redes sociais para anunciar decisões de governo, desconsideração por dados e evidências científicas, defesa da “pátria, fé e família” e medidas de ruptura em áreas como meio ambiente, educação e política externa. Mudam os idiomas, mas as expressões e práticas, comuns na retórica e no modo de governar de líderes como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o vice-primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, e o premier húngaro, Viktor Orbán, entre outros, também são adotadas por Jair Bolsonaro. Não é mera coincidência.
O Palácio do Planalto extrai da cartilha do chamado movimento de direita conservador — ou nacionalista populista, para os críticos — o modelo de administração que se propõe a enterrar a suposta velha política, considerada “socialista” pelo setor ideológico do governo, composto por ministros como o chanceler Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Abraham Weintraub, da Educação.
Para esse grupo, que volta e meia entra em atrito com os setores militar e econômico, a chegada ao poder significa a oportunidade de fazer do Brasil o representante no Hemisfério Sul dos governos que estão inaugurando uma nova era mundial da direita, após décadas do que consideram “excessos” da globalização — ou globalismo, como chamam. Esse voluntarismo, na opinião de especialistas, se expressa em manifestações como a do presidente brasileiro, em que apelou ao discurso do medo do retorno da “esquerdalha” durante sua visita ao Rio Grande do Sul, na segunda-feira passada, ao se referir à vitória do kirchnerismo na Argentina.
Além de Estados Unidos, Itália e Hungria, o Brasil de Bolsonaro pode ser encontrado, em maior ou menor grau de semelhanças, na retórica e na prática de líderes como o ex-primeiro-ministro da Polônia Jaroslaw Kaczynski, no presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, e seu discurso pró-armas e no personalismo do premier israelense, Benjamin Netanyahu.
Amazônia
Influenciados por Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump e ideólogo do chamado The Movement (movimento conservador que tenta unir a direita), governantes atuam, no campo externo, para brecar organismos internacionais, que, em sua visão, solapam a soberania nacional, intrometendo-se em assuntos domésticos, tentando ditar, por exemplo, o que o Brasil deve ou não fazer para proteger a Floresta Amazônica. Um exemplo é a maneira como o governo lidou com as críticas de ambientalistas do Exterior ao aumento do desflorestamento, tema que foi parar na capa da revista The Economist.
Ao comentar a suspensão da verba direcionada à preservação da Amazônia pelo governo da Alemanha, por exemplo, Bolsonaro reagiu, na quinta-feira (15), no momento em que comentava a procura por um novo procurador-geral da República que não seja “xiita” em relação à questão ambiental:
— Queria até mandar um recado para a senhora querida Angela Merkel, que suspendeu US$ 80 milhões para a Amazônia. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui.
O modelo mais próximo para o modo de governar de Bolsonaro é Trump: ambos fazem discursos de improviso, sem seguir roteiros de assessores, exercem o poder de forma personalista, utilizando as redes sociais para um contato direto com seus seguidores, desprezando intermediários. Também misturam relações familiares com o exercício do poder — a filha e o genro de Trump têm influência semelhante sobre a Casa Branca a dos filhos do presidente no Planalto, como a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada no país. Nos discursos, aparecem muitas vezes criticando o “politicamente correto”. Não à toa, Bolsonaro, em sua visita a Washington, em março, terminou sua fala ao lado de Trump da seguinte forma:
— Encerro dizendo que o Brasil e os EUA também estão irmanados na garantia das liberdades no respeito à família tradicional, no temor a Deus, nosso Criador, contra ideologia de gênero, o politicamente correto e as fake news.
Jornalistas de todo o mundo que cobriam o evento nos jardins da Casa Branca se olharam, perguntando o que o brasileiro queria dizer com a crítica ao “politicamente correto”. A expressão resume o que líderes da nova direita fazem ao globalismo. Pelo argumento de Bannon, seguido à risca por Bolsonaro, Trump, Orbán e Salvini, por exemplo, haveria um conluio internacional, financiado por elites progressistas, para chegar ao poder e colocar em prática uma agenda de esquerda que estaria impregnada em Hollywood, no Vale do Silício, em decisões de Bruxelas e em universidades públicas mundo afora.
No Brasil, esse pensamento seria incorporado pelo PT e pelo Foro de São Paulo. Nos Estados Unidos, pelo Partido Democrata, de Barack Obama. Na Europa, pelo Partido Trabalhista britânico, e por líderes como a chanceler Angela Merkel e as autoridades assentadas na sede da União Europeia.
Família
Bannon, com quem Eduardo e Olavo de Carvalho mantêm relações, costuma dizer que a nova esquerda ocupa meios de pensamento, implementando um projeto de aniquilação da cultura ocidental cristã ao impor temas como o feminismo ou o que chama de “gayzismo” (termo pejorativo para se referir às causas LGBT+), além do ambientalismo e do multiculturalismo. Um dos objetivos, segundo essa visão, seria reduzir “valores da família e da pátria e os ideais cristãos”.
A forma como Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles atacaram o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e como é medida a taxa de desflorestamento da Amazônia ilustra o alinhamento a esse pensamento. A onda antidados e anticiência acontece também nesses países da nova direita. Nos EUA, por exemplo, o ex-chefe da Agência de Proteção Ambiental Scott Pruitt, demitido recentemente, cumpriu a missão que Trump lhe havia designado de desmontar regulações ambientais — foram pelo menos 22 revertidas, e 44 outras nas quais a administração interferiu, segundo o site Think Progress. Críticos denunciam perseguições de cientistas — 700 funcionários deixaram a agência, o maior êxodo de um órgão do governo americano em toda a história. O principal ato de Pruitt foi arquitetar a saída do país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Imprensa
Por aqui, Bolsonaro chegou a anunciar durante a campanha que seguiria os passos de Trump na política ambiental, mas manteve o Brasil no pacto global. Outro recuo foi a instalação de um escritório de negócios em Jerusalém — e não a transferência da embaixada de Tel-Aviv, como fizera o americano.
A exemplo do italiano Matteo Salvini e do filipino Duterte, Bolsonaro é defensor de uma flexibilização do acesso a armas. Na Itália, o vice-primeiro-ministro elaborou um plano de defesa do direito de possuir armas em casa e seu uso contra assaltantes que invadam residências e estabelecimentos comerciais (“atirar para matar”). Duterte, por sua vez, incorpora a versão filipina do discurso “bandido bom é bandido morto”. Desde que assumiu, deflagrou ofensiva contra o crime que culminou em assassinatos extrajudiciais e suspeitas de violações de direitos humanos.
Em comum, todos adotam discurso agressivo contra a imprensa. Alguns, passaram da retórica à ação, com a elaboração de planos de corte de publicidade oficial para veículos não alinhados ao partido no poder. Bolsonaro assinou medida provisória (MP) na qual ficou decidido que as empresas não precisam mais publicar balanços em jornais de grande circulação, podendo revelar os resultados no próprio portal do Diário Oficial ou no da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No mesmo dia em que falou sobre a MP, o presidente disse que era uma maneira de responder à forma como a imprensa cobre o seu mandato. Mais tarde, ironizou a declaração, dizendo que não se tratava de retaliação e sim de “retribuição à imprensa”.