Ataques sistemáticos à imprensa, uso de redes sociais para anunciar decisões de governo, desconsideração por dados e evidências científicas, defesa da “pátria, fé e família” e medidas de ruptura em áreas como meio ambiente, educação e política externa. Mudam os idiomas, mas as expressões e práticas, comuns na retórica e no modo de governar de líderes como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o vice-primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, e o premier húngaro, Viktor Orbán, entre outros, também são adotadas por Jair Bolsonaro. Não é mera coincidência.
Para três ex-embaixadores ouvidos por GaúchaZH, a guinada à direita que irmana esses líderes traz também diferenças entre eles.
— Não é tudo farinha do mesmo saco — afirma um deles.
No caso da Europa, a onda migratória vinda do Oriente Médio e do norte da África criou o medo da descaracterização racial e o reforço dos nacionalismos. Junte-se a isso a perda de prestígio do Ocidente, com o capital migrando para a Ásia, em especial para a China, e a sensação, por parte da classe média, de que os anos de “bonança e prosperidade” da socialdemocracia foram assimétricos. Ou seja, não beneficiaram a todos.
— Embora o movimento se dê na mesma direção, de resistência à modernidade e à globalização no caso do Primeiro Mundo, no Brasil a grande motivação é o enfurecimento com a corrupção, com a incompetência dos governantes e com a falta de crescimento do país — afirma o ex-embaixador Marcos Azambuja, que chefiou as representações do Brasil na França e na Argentina, foi secretário-geral do Itamaraty e hoje é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Para o diplomata, Trump tem influência decisiva no temperamento de Bolsonaro, principalmente em relação ao “desrespeito pelo conhecimento tradicional e acadêmico”.
Ex-embaixador do Brasil na Argentina, José Botafogo Gonçalves pondera que, apesar das críticas à postura das autoridades brasileiras por parte de ambientalistas, as afirmações sobre os dados do desmatamento da Amazônia não foram contestados cientificamente:
— Até agora não vi um contra-argumento de que estavam errados. Continuam dizendo que Bolsonaro quer destruir a Amazônia, The Economist publicou na capa “Amazônia no leito de morte”, foi criticada a demissão do diretor do Inpe (Ricardo Galvão), mas ninguém disse que o ministro estava errado. Acho que falta uma discussão científica equilibrada. O desmatamento não começou ontem ou sete meses atrás.
O diplomata salienta que líderes como Bolsonaro e Trump expressam o sentimento de desagrado de setores da sociedade com a condução da economia e da política por anos de socialdemocracia.
Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington, apesar de semelhanças no aspecto na retórica ultraconservadora – casamento gay, aborto, defesa da família – e prática – como medidas contra a imprensa e a defesa de armas –, há diferenças em relação a como esses líderes lidam com crises migratórias: Trump tem defendido o muro com o México, Orbán e Salvini endureceram medidas anti-imigração, enquanto Bolsonaro tem dado continuidade à política de recepção aos refugiados venezuelanos.
— Estamos aceitando da Venezuela, ao contrário da Europa. Na retórica, Bolsonaro tenta imitar as práticas de Trump para se manter na mídia, manter o apoio de sua base – avalia Barbosa.
Para o diplomata, durante 60 anos vigorou uma agenda socialdemocrata, rejeitada pela maioria dos eleitores.
Declarações controversas podem ter impacto em negócios brasileiros
O comportamento barulhento do presidente Jair Bolsonaro, que o coloca no mesmo hall de líderes polêmicos como Matteo Salvini, Viktor Orbán, Rodrigo Duterte e Donald Trump, pode afetar a atração de investimentos? Não há consenso sobre o tema.
Recentemente, o presidente do Itaú, Candido Bracher, afirmou que declarações como negar as investigações da Comissão da Verdade e ignorar documentos de que Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, foi morto enquanto estava sob guarda das Forças Armadas, não são um problema para as discussões dos temas econômicos. Ao negar dados do Inpe sobre desflorestamento, analistas de investimentos consideram riscos de declarações sobre ambiente.
— O Brasil vem construindo desde Fernando Collor e a ECO-92 (conferência global do clima realizada no Rio em 1992) a estratégia de usar o ambiente como moeda de barganha. Ou seja, a gente tem um ativo que o mundo quer. E a gente vai preservar para conseguir benefícios disso. Bolsonaro é imediatista na exploração do território e não pensa nas vantagens estratégicas de continuar jogando o jogo da preservação — avalia um especialista de mercado, que prefere não se identificar.
Para André Perfeito, economista-chefe da Necton, preocupa o alinhamento direto com Estados Unidos e Israel, rompendo uma tradição das relações exteriores de uma diplomacia multilateral.
— O Brasil sempre foi de tentar colocar os pés em duas jangadas ao mesmo tempo. Desde a época de Getúlio Vargas, que negociou com americanos e nazistas (no período da Segunda Guerra), o Brasil vem construindo uma forma de ser multilateral. Tinha até recentemente um ativo precioso: poucos países podiam se dar ao luxo de ser do Brics (grupo que reúne Brasil, China, África do Sul, Índia e Rússia) e ocidental ao mesmo tempo.
Segundo ele, ao defender fortemente a aliança com os EUA em detrimento da China, o Brasil pode ficar para trás diante de um eventual acordo que coloque fim à guerra comercial entre os gigantes:
— Se a gente não ficar atento, China e EUA se acertam à revelia dos nossos interesses. Se a gente estivesse com os pés em cada canoa, poderia negociar também. Os EUA produzem muitos produtos agrícolas, os chineses podem pensar: “Vou parar de importar do Brasil para importar dos EUA para acalmar a situação”.
Os dados do Inpe sobre aumento do desmatamento já geraram impactos reais. Alemanha e Noruega bloquearam suas contribuições ao Fundo da Amazônia.
Os dois países respondem por quase todo o dinheiro (R$ 155 milhões alemães e R$ 133 milhões noruegueses) gerido pelo BNDES. Depois das críticas à oposição argentina, que venceu as prévias no dia 11 a quem o presidente se referiu como “bandidos de esquerda”, o mal-estar é com os europeus.
— A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós. Pega a grana e ajuda a Angela Merkel (chanceler alemã) a reflorestar a Alemanha — disse Bolsonaro na quinta-feira.