Jair Bolsonaro nem parece ter 30 anos de prática política. Anunciou a demissão do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, no meio de uma conversa informal com jornalistas em Brasília, quinta-feira (15). Sem solenidade, sem aviso prévio, sem meias palavras. E passou longe da elegância.
- Motivo: a questão de produtividade - resumiu, ao sair do Palácio da Alvorada.
Qual produtividade?, insistiram os jornalistas. Mas, como de hábito, Bolsonaro cortou a conversa ao meio. Há quem cogite que Saadi possa ser transferido porque a PF está por comprovar malfeitos de um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL) - embora a investigação principal esteja com o Ministério Público.
Bolsonaro não fez menção a esse fato, mas nada há de estranho nessa performance. O presidente tem se especializado em fritar colaboradores, nos bastidores ou em praça pública. Fez isso com um dos seus mais leais ministros, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, defenestrado por supostamente ter falado mal de Bolsonaro pelo WhatsApp - algo que o general nega e que diz ter sido montagem cibernética. Outro general, Juarez de Paula (presidente dos Correios), teve sua demissão anunciada antes de acontecer porque teria "agido como sindicalista" ao criticar a iminente privatização da estatal.
Foram quatro os militares de alto escalão demitidos por Bolsonaro, mesmo após terem feito campanha por ele. Mas milico é milico, treinado para obedecer sem questionar (pelo menos em público). Diferente é a situação dos policiais. O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, se mostra surpreso com a transferência do colega Saadi.
- Faz muito tempo que eu não vejo um presidente fazer isso. Geralmente quem faz a troca é o diretor-geral da PF. O ideal seria que as indicações para a Polícia Federal não tivessem a interferência do governo. Não gostaríamos que passassem pelas áreas políticas, por questões de interesse. A PF é um órgão do Estado, não exclusivo do presidente", declarou a jornalistas nesta sexta-feira (16).
Paiva foi diplomático. Já o sindicato dos Delegados de Polícia Federal de São Paulo (SINDPF-SP) chutou o balde, em nota oficial. O anúncio de remoção de Saadi foi considerado ameaça à autonomia da PF.
"A escolha de superintendentes compete ao Diretor-Geral da Polícia Federal e a fala do presidente, mais que desrespeitosa, atenta contra a autonomia da Polícia Federal", resume o documento, elaborado pela entidade que representa inclusive um dos filhos do presidente, o deputado (e agente federal) Eduardo.
Conversei com dois delegados. Estão indignados, mesmo não tendo apreço especial por Saadi. Um deles lembra que Michel Temer, quando era presidente, teve cinco inquéritos abertos pela PF e nem por isso tentou (nos bastidores ou às claras) remover os delegados que o investigavam. Até porque a irremovibilidade é um princípio basilar entre policiais. O diretor-geral nomeado por ele chegou a desdenhar de um dos inquéritos e caiu em desgraça na PF, pedindo para sair. Já Bolsonaro não tentou agradar.
- Quem manda sou eu. Se eu for trocar superintendentes, qual o problema? - desafiou.
Os problemas são dois. Bolsonaro pode estar ferindo o princípio constitucional da impessoalidade (que manda o gestor atuar sem discriminações que visem prejudicar ou beneficiar determinado administrado). E também pode colher a má vontade ostensiva da polícia que mais casos de corrupção investiga na América do Sul. Mas o presidente parece não ligar para isso. Por enquanto.