"Não existe crime perfeito, existe crime mal investigado", repete o delegado de Torres, Marcos Veloso, quando questionado sobre como conseguiu encurralar Deise Moura dos Anjos. Ela é a mulher presa por suspeita de matar por envenenamento quatro familiares. Três das vítimas morreram ao comer um bolo e a quarta pessoa, o sogro dela, morreu após receber bananas e leite em pó presenteadas por Deise. Outras três pessoas foram intoxicadas, mas sobreviveram. Todas foram contaminadas com arsênio, um elemento químico mortífero e conhecido na forma comercial pelo nome de arsênico.
Em 40 anos de jornalismo, nunca cobri uma sequência de envenenamentos como essa. É um tipo de homicídio bem mais difícil de investigar do que aqueles praticados por quadrilhas, concordam todos os policiais com quem falei. Isso porque mafiosos de quilates variados pouco disfarçam seus métodos. Matam inclusive como forma de dar recado aos rivais ou devedores. Espalham a notícia, pelo menos no submundo.
Já envenenar pressupõe dissimular sua intenção. É arma de medrosos, silenciosa, usada à traição, sem aviso e possibilidade de defesa. Pior ainda quando o assassino está dentro da família.
Para investigar crime organizado, máfias em geral, é preciso coragem - algo que, convenhamos, é usual na maioria dos policiais. Já em relação a envenenamentos é preciso inteligência, método, perícia. É nessas ocasiões que se revela o bom investigador. No caso de Torres, os policiais civis tiveram de interrogar pessoas de famílias estabelecidas e sem antecedentes criminais, bem mais delicado do que agir contra quadrilheiros profissionais. É preciso tato, argúcia, convencimento. Depois que os depoimentos apontam alguma suspeita, é necessário perícia para envolver o alvo, fazê-lo cair em contradição.
É o que aconteceu com Deise, por exemplo. Durante cinco horas ela se mostrou firme e fria, descrevem os policiais. Só que mentiu ao dizer que fez pesquisas sobre veneno na internet apenas após a intoxicação dos familiares. Não, ela pesquisou antes. Dezenas de vezes, talvez em busca de uma fórmula perfeita de disfarçar a substância mortífera. Foi nessa contradição que os policiais encontraram argumentos para pedir a prisão dela.
Os policiais que investigaram o envenenamento também foram rápidos ao pedir perícia nas vítimas (vivas e mortas), no bolo, ao fazerem buscas nos domicílios dos envolvidos e apreenderem qualquer substância que pudesse estar envenenada. É o correto, mas nem sempre isso é feito. Agiu bem também o hospital ao mandar o sangue dos pacientes para o Centro de Informações Toxicológicas (CIT), primeiro a comprovar presença de arsênico. Com base nisso, se configurou homicídio. E, por tabela, surgiram provas para tentar prender a suspeita, interrompendo o que pode ser um dos mais espantosos casos de serial killer já registrados na história gaúcha.