Ao cruzar os portões do Palácio da Alvorada, na manhã de 29 de julho, Jair Bolsonaro saltou do carro que o levaria ao Palácio do Planalto e se aproximou de um grupo de admiradores. Ao avistar um menino, fez o tradicional gesto de arma com as mãos e perguntou sua idade. Antes de ouvir um tímido "oito anos", o presidente falou sorrindo que seus filhos atiram desde os cinco anos.
Em seguida, direcionou o foco para jornalistas dos principais veículos do país, que o aguardavam para uma entrevista. Ao ser questionado sobre atritos protagonizados com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou que poderia contar ao presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, como teria ocorrido o desaparecimento do pai dele, Fernando, preso e morto durante a ditadura militar. A declaração foi criticada até mesmo por aliados.
O movimento da imprensa em frente à residência oficial, tímido até então, começou a aumentar com as entrevistas quase diárias. Na última terça-feira, quando todo o primeiro escalão do governo foi convocado para assistir o hasteamento da bandeira no início da manhã, mais de 30 profissionais da mídia brasileira e internacional aguardavam uma declaração do presidente, o que não ocorreu.
A chegada ao local, antes facilitada a qualquer repórter ou turista, passou a ter rígido controle de segurança. Há barreiras nas duas vias de acesso, onde é feita a primeira identificação, 700 metros antes da entrada do Alvorada. Junto à portaria, o cuidado é mais intenso. É preciso passar por um detector de metais e apresentar documentos. Jornalistas informam onde trabalham e fornecem o número do CPF.
No início do governo, admiradores não eram barrados e, não raro, se aproximavam e tiravam selfies abraçados com Bolsonaro, aos gritos de "mito". Repórteres já precisavam ficar em uma área exclusiva, limitada por gradis, à sombra de uma grande mangueira ao lado do pórtico de entrada. O aumento no movimento de turistas levou a equipe de segurança a criar uma área específica também para apoiadores. É a eles que o presidente costuma se dirigir inicialmente, para depois conversar com a imprensa. Respostas polêmicas ou ataques a jornalistas são saudados por palmas e apupos pelos eleitores.
O contato com os visitantes, em tom descontraído, é filmado por um ajudante de ordens. O mesmo ocorre com as entrevistas para, segundo o presidente, evitar "distorções" em sua fala. O material também abastece suas redes sociais ao longo do dia. Após um período que pode chegar a 30 minutos, Bolsonaro, sempre ladeado por quatro seguranças, retorna ao veículo oficial e segue para o primeiro compromisso da agenda. O comboio tem até cinco imponentes carros pretos sedan, com vidros escuros, e é acompanhado por uma ambulância.
Apesar de causar preocupação em agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), setor encarregado da segurança presidencial, devido à proximidade com o público, o presidente não dá mostras de que irá mudar seu comportamento. Assessores próximos reconhecem que, em alguns momentos, as declarações geram polêmicas desnecessárias. Ainda assim, não ousam contrariar o chefe, repetindo mantras como "esse é o jeito dele" e "ele ganhou uma eleição assim".
Polêmicas frequentes abastecem militância bolsonarista e alimentam polarização
A declaração sobre o desaparecimento e assassinato do pai do presidente da OAB durante a ditadura não foi a primeira polêmica na portaria do Palácio da Alvorada. Em junho, o presidente Jair Bolsonaro já havia ameaçado de demissão o então presidente do BNDES, Joaquim Levy, que acabou deixando o governo dias depois. No entanto, o ataque a Felipe Santa Cruz marcou o início de uma nova forma de interação do presidente com a imprensa.
Os cafés da manhã com jornalistas, criticados por assessores próximos e suspensos após episódios como as menções a "governadores de paraíba" e de que não há fome no Brasil, foram substituídos por entrevistas espontâneas no início da manhã. A leitura é de que, indo ao encontro dos jornalistas, o presidente mantém as rédeas da situação e tem melhores condições de definir quais assuntos serão debatidos ao longo do dia nos meios de comunicação.
— É uma postura pessoal de Bolsonaro de ser o próprio porta-voz. As declarações trazem temas variados e pautam a imprensa e a sociedade brasileira — comenta um interlocutor do Palácio do Planalto.
O próprio presidente já comentou a mudança de postura:
— Se eu não falar, vem distorção, vem mentira. Se eu falar aqui, a minha equipe está filmando.
Nas ocasiões, ele saúda eleitores e conversa com os repórteres — a quem chama de "urubus". A artilharia contra a imprensa e os profissionais é frequente. Em 8 de agosto, ao lado do ministro Sergio Moro, disse que "se excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora". O tema em questão era o projeto do ex-juiz referente a excludente de ilicitude, que tramita no Congresso.
No início, a preocupação era saber se o presidente era um estrategista ou apenas intuitivo. Tenho a impressão de que ele é estrategista
ANTÔNIO FLÁVIO TESTA
Cientista político
O comportamento é visto como forma de abastecer a militância bolsonarista — eleitores que apoiam o discurso conservador e, muitas vezes, polêmico do presidente —, além de manter acesa a chama da polarização política.
Integrante da equipe que atuou na campanha eleitoral e na transição de governo, o cientista político Antônio Flávio Testa avalia que as atitudes de Bolsonaro retratam um estilo próprio. Apesar de achar que o presidente é, por vezes, "agressivo", atribui a postura a uma resposta contra o que classifica como "muita pancada" por parte da mídia.
— É uma linguagem que não tem nada de ingênua. No início, a preocupação era saber se o presidente era um estrategista ou apenas intuitivo. Tenho a impressão de que ele é estrategista — afirma Testa.
"Com esse modelo, ele venceu a eleição"
No Planalto, a visão é que, mesmo que haja exageros, o resultado está sendo satisfatório. Além disso, a avaliação geral é de que seria impossível "modular" Bolsonaro.
— Com esse modelo ele venceu a eleição. Não dá pra chegar e mandar ele parar de fazer isso. Ele não tem perfil de quem vai se adequar — diz um ex-assessor.
Inicialmente a cargo de militares, o planejamento da comunicação do governo assumiu um viés pragmático. Interlocutores atribuem a ação à influência do secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, indicado pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente.
O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, reduziu seu contato com os jornalistas nas últimas semanas. O escalado para atender demandas de jornalistas seria o secretário de Imprensa, posto ocupado por Paulo Fona até a última terça-feira, quando foi demitido a pedido de Bolsonaro, uma semana após ser nomeado. O motivo seria a atuação do ex-assessor em governos do PSDB, MDB e PSB.
Cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas, Eduardo Grin atribui os rompantes e declarações polêmicas a um perfil populista. Segundo ele, a intenção é passar a ideia de que o presidente fala diretamente com o "povo", sem precisar da imprensa para mandar suas mensagens, apesar de se apoiar nos veículos de comunicação para amplificar suas falas.
— Ele fala para fidelizar seu público, que é aquele que vai ouvir tudo e reproduzir, sobretudo nas redes sociais. Assim, Bolsonaro ocupa o papel muito importante no seu cálculo político para alguém que, assumidamente, já disse que está em campanha para reeleição em 2022 — diz Grin.
Nos últimos dias, devido a compromissos fora de Brasília ou agendas matutinas no próprio Palácio da Alvorada, o presidente falou menos no portão, mas manteve a estratégia verborrágica. Ao passar pelo Rio Grande do Sul na última segunda-feira, disse que o Estado pode virar uma nova Roraima, que recebe imigrantes venezuelanos, caso a esquerda volte ao poder na Argentina. Na quarta-feira, no Piauí, voltou a afirmar que "alguns governadores da região querem separar o Nordeste do país".
Momentos
29/7 — Desaparecimento de Fernando Santa Cruz
"Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento."
Em ataque ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, pela atuação da entidade na investigação de Adelio Bispo, autor da facada contra Bolsonaro no ano passado. Fernando Santa Cruz, integrante do grupo Ação Popular Marxista-Leninista, desapareceu em 1974 após ser preso por agentes do DOI-Codi, no Rio de Janeiro, quando Felipe tinha dois anos. Bolsonaro chegou a afirmar que a morte foi causada por integrantes da esquerda. No entanto, o ex-delegado Cláudio Antônio Guerra admitiu ter incinerado 12 corpos de presos políticos durante a ditadura, entre eles o de Santa Cruz.
30/7 — Massacre de Altamira
"Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que eles acham. Depois que eles responderem, eu respondo vocês."
Ao se negar a comentar sobre a morte de 62 detentos do Centro de Recuperação de Altamira, no Pará, após rebelião.
8/8 — Homenagem a torturador
"Um herói nacional que evitou que o Brasil caísse no que hoje a esquerda quer."
Ao comentar o agendamento de um almoço com Joseíta, viúva do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. O militar foi chefe do DOI-Codi entre 1970 e 1974, período em que houve registro de 45 mortes e desaparecimentos de presos políticos. Ele foi o primeiro militar a responder processo por tortura durante a ditadura, sendo condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratória por sequestro e tortura durante o regime militar.
8/8 — Excesso jornalístico
"Se excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora, tá certo?"
A declaração foi dada após resposta do ministro Sergio Moro sobre o projeto de excludente de ilicitude apresentado por ele ao Congresso. Bolsonaro não detalhou o que considera "excesso jornalístico".
9/8 — Cocô dia sim, dia não
"É só você deixar de comer, menos, um pouquinho. Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também."
Ao responder se acredita ser possível conciliar preservação ambiental ao crescimento econômico.
11/8 - Ataques à imprensa
"Não, vou encontrar minha avó. A minha avó morreu, infelizmente já morreu."
No Dia dos Pais, ao responder a um repórter se iria encontrar seus filhos.
"Não tem nenhum urubu aí?"
A pergunta foi feita para cinegrafistas que aguardavam a saída de Bolsonaro do Palácio da Alvorada. O presidente se referia a repórteres.
"Dá um tempo aí, ô mané."
Ao ser questionado sobre a avó materna da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que aguardava atendimento médico havia dois dias no corredor de um hospital público do Distrito Federal.
"Você fica bem com uma roupinha de balé, aí. Você leva jeito."
Resposta a um repórter que perguntou, em tom de brincadeira, se Bolsonaro iria se encontrar com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em uma academia militar ou de ginástica. Momentos antes, o presidente havia dito que poderia se encontrar com o magistrado na "academia". Depois esclareceu se tratar da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Rio de Janeiro.