Sob forte pressão de seu partido, o PSL, e de sua base eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro avalia vetos a trechos do projeto sobre abuso de autoridade, aprovado na quarta-feira (14) pela Câmara dos Deputados.
A análise técnica da iniciativa, que é feita pela equipe jurídica do Palácio do Planalto, só será iniciada na próxima semana, mas assessores presidenciais dizem que Bolsonaro se mostrou sensível ao apelo de deputados e senadores do PSL.
Eles pedem que pelo menos dois artigos da proposta sejam retirados: a detenção de magistrados que determinarem prisão preventiva sem amparo legal e a classificação da abertura de investigação sem indícios de crime como abuso de autoridade.
Nesta quinta-feira (15), após evento militar, Bolsonaro disse que analisará na semana que vem a proposta e que discutirá o assunto com sua equipe ministerial.
— O projeto vai chegar à minha mesa e os ministros vão dar cada um a sua opinião, sugestão de sanção ou alguns vetos, e vamos tomar a decisão de forma bastante tranquila e serena —disse.
O presidente afirmou haver autoridades que praticam abusos, mas ponderou que não pode haver cerceamento aos trabalhos do Poder Judiciário.
— Existe abuso, somos seres humanos, mas a gente não pode cercear os trabalhos das instituições. A pessoa tem de ter responsabilidade quando faz algo que é dever, mas tem que fazer baseado na lei — disse.
Ele citou como um exemplo de abuso de autoridade o fato de ter virado réu por apologia ao estupro no episódio no qual disse que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela "não merece".
Diante da movimentação de aliados favoráveis a vetos a pontos do projeto de lei, auxiliares do presidente foram informados por líderes do Congresso que, caso decida mexer no texto, deputados já articulam uma derrota ao governo.
O recado foi dado ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), nesta quinta, numa reunião no gabinete do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Durante a conversa, ficou acertado que a Casa aceitará a derrubada de apenas um artigo do texto: o que trata do uso de algemas.
A negociação para derrubar esse trecho aconteceu ainda na quarta, antes de os deputados aprovarem o projeto.
Articulações
Numa reunião da qual participaram os líderes do governo na Câmara e no Congresso, Major Vitor Hugo (PSL-GO) e Joice Hasselmann (PSL-SP), além do líder do PSL, Delegado Waldir (GO), ficou definido que o plenário aprovaria a proposta na íntegra, para evitar que ela voltasse ao Senado, e Bolsonaro vetaria o artigo que trata das algemas.
Parlamentares que participaram das negociações disseram à reportagem que o presidente deu aval ao acordo. Ele foi contatado pelos líderes do governo antes de o martelo ser batido.
A avaliação de líderes da Câmara é a de que, neste caso, ao vetar esse trecho, Bolsonaro agrada a bancada da bala, faz um gesto a sua base, mas mantém intacta a essência do projeto.
O artigo do projeto aprovado prevê detenção de seis meses a dois anos e multa para a autoridade que "submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro".
A pena é dobrada se o preso for menor de 18 anos ou se a presa estiver grávida.
No Planalto, porém, apenas a supressão do artigo das algemas é considerado insuficiente. Daí a tensão com a Câmara.
Os líderes disseram a Onyx que, se o Planalto for além desse trecho, a Câmara já tem número suficiente para derrubar os vetos do presidente.
Os parlamentares também levarão o mesmo recado ao ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Quando um projeto de lei tem artigos vetados pelo presidente, o Congresso pode restabelecer o texto original.
De acordo com relatos feitos à reportagem, Bolsonaro estaria disposto a também vetar trechos que tratam das prerrogativas dos advogados, em mais um gesto de retaliação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Um dos artigos torna crime o ato de um juiz ou delegado de violar as prerrogativas de advogados caso eles sejam presos preventivamente. O Estatuto da Advocacia prevê que os defensores só podem ser detidos em salas de Estado-Maior.
Relator da lei de abuso de autoridade, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) afirmou à reportagem que a aprovação da lei elimina da sociedade os inimputáveis e que os bons servidores podem dormir em paz.
— Vão dormir tranquilos os bons policiais, os bons promotores, os bons juízes, os bons servidores públicos. Durmam em paz. Este projeto é para punir aqueles que abusam da sua autoridade contra qualquer cidadão brasileiro — disse.
— Se o presidente vetar a lei na íntegra, vamos derrubar o veto. Temos número suficiente para isso — afirmou à reportagem um dos principais defensores da proposta, o deputado e advogado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP).
— Vetá-la é dar carta branca para os abusos no Brasil.
— Essa lei é civilizatória e ela não se aplica só para servidores da base da pirâmide, se aplica também para a aristocracia. Exemplo: para legislador, juiz, desembargador, ministros. Todos estão atingidos pela lei. A aristocracia nunca concordou que seus atos fosse punidos. É uma lei que pega gente de grife — complementa.
Os dois artigos citados pela bancada do PSL também são considerados controversos por assessores palacianos, para os quais a tendência é de que realmente sejam vetados após a finalização da análise da Subchefia para Assuntos Jurídicos, órgão vinculado à Secretaria-Geral da Presidência.
O presidente conta com um prazo de 15 dias para sanção ou veto da proposta, o que pode ser feito integralmente ou parcialmente.
Nesta quinta, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, também considerou que a iniciativa precisa ser bem analisada e verificado se ela prejudica a atuação regular de juízes, policiais e procuradores.
Moro é ex-juiz e comandava a 13ª Vara Federal Criminal do Paraná, onde a Lava Jato teve início, quando o projeto de lei foi criado no Congresso.
Lava-Jato
O chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, manifestou contrariedade nesta quinta com a aprovação do projeto.
Por meio de sua conta no Twitter, comentou a previsão de punição ao juiz que "deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou deixar de conceder liberdade provisória quando manifestamente cabível".
"Se isso é crime, deveria ser igualmente crime soltar preso ou deixar de decretar a prisão quando esta é necessária. Do modo como está, juízes que prenderem poderosos agirão debaixo da preocupação de serem punidos quando um tribunal deles discordar. E Direito não é matemática...", escreveu Deltan.
O chefe da Lava-Jato ficou sob pressão depois do vazamento, pelo site The Intercept Brasil, de mensagens trocadas entre procuradores da força-tarefa e o então Sergio Moro.