Em duas semanas, o presidente da República Jair Bolsonaro não contornou polêmicas. Aumentou o tom das declarações, disseminou versões que contrariam registros históricos sobre a ditadura e incomodou até mesmo aliados. Para seu eleitorado mais fiel, porém, é coerente com o discurso que o elegeu.
— Mudou o presidente, agora é Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora, mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também — disse ele, na quinta-feira (1º), dia em que substituiu quatro integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, responsável pelo reconhecimento de vítimas da ditadura militar.
Em meio às intempéries, o presidente foi questionado por uma repórter do jornal O Globo sobre sua retórica, e respondeu que não pretende mudar:
— Sou assim mesmo. Não tem estratégia.
Ainda que argumente não seguir um plano ao fazer declarações polêmicas, Bolsonaro fala abertamente em reeleição.
— É um governo que espera, quando acabar o seu mandato, em 2022 ou 2026, que possa entregar para o povo um país livre e democrático — afirmou o presidente.
Relembre 10 frases que marcaram as últimas semanas de Bolsonaro:
"Ela estava indo para a guerrilha do Araguaia quando foi presa em Vitória. E depois (Míriam Leitão) conta um drama todo, mentiroso, que teria sido torturada, sofreu abuso etc. Mentira. Mentira."
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A frase sobre a jornalista Míriam Leitão deu início à sequência de declarações de Bolsonaro. Foi proferida durante um café com jornalistas, na manhã do dia 19 de junho, depois de ser questionado sobre os ataques sofridos pela jornalista e seu marido, o cientista político Sergio Abranches, que levaram ao cancelamento da ida do casal a uma feira literária no município catarinense de Jaraguá do Sul.
À época grávida, Míriam foi presa, espancada e torturada pela ditadura militar. Foi detida durante três meses pelo regime no 38º Batalhão de Infantaria, em Vitória, no Espírito Santo. Em 1973, no auge do regime, denunciou a tortura à 1ª Auditoria da Aeronáutica, no Rio de Janeiro. Foi absolvida de todas as acusações que a ditadura direcionou a ela, em todas as instâncias.
O ataque provocou uma onda de solidariedade à Míriam e ao marido e levou a Rede Globo a se pronunciar de modo oficial. Em nota lida no Jornal Nacional, a emissora afirmou que a jornalista nunca participou ou quis participar da luta armada e que era militante do PCdoB, atuando em atividades de propaganda.
Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não. Você não vê gente mesmo pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo.
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A manifestação ocorreu no mesmo desjejum ao lado de jornalistas e não está baseada em dados oficiais. Mesmo que os registros estejam em queda, 15 pessoas morreram de desnutrição por dia em 2017, segundo o Datasus, um departamento de dados do Ministério da Saúde. Já a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que cerca de 5 milhões de pessoas viviam em situação de insegurança alimentar no país entre 2016 e 2018.
Pelos dados mais recentes do IBGE, de 2014, a insegurança alimentar grave (ou seja, a falta de comida em quantidade e qualidade, inclusive para crianças) atingia 7,2 milhões de pessoas. Horas depois, diante da repercussão negativa, Bolsonaro deu um passo atrás.
— Alguns passam fome — admitiu.
Com toda a devastação que vocês nos acusam de estar fazendo e de ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido. Inclusive já mandei ver quem está à frente do Inpe para que venha explicar em Brasília esses dados. Nosso sentimento é que isso não coincide com a verdade, e parece até que está a serviço de alguma ONG.
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O questionamento do presidente sobre os dados também ocorreu no café da manhã com jornalistas. Ele comentava a informação de que o desmatamento na Amazônia havia aumentado 57% entre os meses de maio e junho, segundo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para Bolsonaro, os índices são incorretos e prejudicam a imagem do Brasil no Exterior.
De imediato, cientistas saíram em defesa do instituto e do seu sistema de monitoramento, via satélite. Diretor do Inpe, Ricardo Galvão assegurou a seriedade da pesquisa, afirmando que até poderia ser demitido, mas que os dados são sólidos.
— A única coisa que o Inpe faz é colher dados, nada mais, mas havia insatisfação sobre isso —disse.
Dias depois, o presidente afirmou que poderia "tomar uma decisão mais drástica" por causa da divulgação "supostamente equivocada" dos dados sobre o desmatamento. "Se quebrar confiança, vai ser demitido sumariamente", afirmou, se referindo a Galvão. Nesta sexta-feira (2), o diretor foi demitido.
Daqueles governadores "de paraíba", o pior é o do Maranhão (Flávio Dino, do PCdoB). Tem que ter nada com esse cara.
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Também dita durante o evento com jornalistas, a frase foi divulgada em um vídeo. Foi gravada em um momento em que Bolsonaro conversava de modo informal com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. No Rio, o termo "paraíba" é uma maneira pejorativa e preconceituosa de se referir a nordestinos.
De imediato, governadores nordestinos saíram a público para cobrar esclarecimentos do presidente, e Bolsonaro afirmou que se referia somente a Dino e ao governador da Paraíba, João Azevedo (PSB).
Na semana seguinte, Bolsonaro foi à Bahia para sinalizar aproximação com o Nordeste. Inaugurou um aeroporto em Vitória da Conquista, mas sem a presença do governador Rui Costa (PT), que, em protesto, não participou do evento.
"É uma honra hoje também ser nordestino cabra da peste. Somos todos paraíbas, somos todos baianos. O que nós não somos é aqueles que querem puxar para trás o nosso Estado, o nosso país", declarou Bolsonaro, em solo nordestino.
Só os veganos que comem só vegetais (consideram importante a questão ambiental). Outros países com baía não tão exuberante como a de Angra conservam o meio ambiente. Se quiséssemos fazer uma maldade, cometer um crime, nós iríamos à noite ou em um fim de semana qualquer na baía de Angra e cometeríamos um crime ambiental, que não tem como fiscalizar.
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Bolsonaro falou sobre os veganos e a preocupação com o ambiente durante um evento do Exército no Rio, ocorrido no sábado (27). No momento, ele respondia a uma pergunta sobre a importância da questão ambiental na transformação da baía de Angra dos Reis. O presidente havia afirmado que quer tornar a baía uma "Cancún brasileira".
— Me ajudem a fazer a baía de Angra a Cancún brasileira. Só que eu tenho que derrubar um decreto, acreditem, é por lei. Cancún fatura US$ 12 bilhões por ano. O que fatura a baía de Angra? Fatura com dinheiro que vem de cuscuz, cocoroca e água de coco. E o Estado do Rio com dificuldades. Vamos fazer da baía de Angra um Cancún. Tem gente de fora do Brasil que a custo zero transforma a baía de Angra talvez na primeira maravilha do Brasil —acrescentou.
Ele (Glenn Greenwald) não se encaixa na portaria. Até porque ele é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro, malandro, para evitar um problema desse, casa com outro malandro e adota criança no Brasil. Esse é o problema que nós temos. Ele não vai embora, pode ficar tranquilo. Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não.
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A fala sobre o fundador do site The Intercept Brasil também ocorreu no sábado (27), no Rio. Bolsonaro fazia um comentário sobre uma portaria publicada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, estabelecendo um rito sumário de deportação de estrangeiros considerados "perigosos" ou que tenham praticado ato "contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição".
A publicação da ordem ocorreu em meio às divulgações de conversas da força-tarefa da Lava-Jato pelo site. Apesar da acusação do presidente, não há indícios de que Greenwald tenha cometido qualquer crime. A lei brasileira assegura a publicação de conteúdos de interesse público por jornalistas, sendo assegurado o sigilo da fonte, no inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal. Bolsonaro também não disse qual crime Greenwald supostamente teria cometido.
Entidades de imprensa, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e a Associação Brasileira de Imprensa, repudiaram a declaração e reafirmaram o compromisso com a liberdade de imprensa. Até o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), gravou um vídeo em apoio ao jornalista.
Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento.
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Bolsonaro se referiu ao pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, no dia 29, ao comentar o trabalho da entidade na investigação sobre Adélio Bispo, responsável pela facada que o atingiu no ano passado. Em nome da classe, a OAB foi contra a apuração dos advogados de Adélio.
Horas mais tarde, em vídeo em que aparece cortando o cabelo, Bolsonaro completou:
— De onde eu obtive essas informações? Com quem eu conversei na época, ora bolas. Conversava com muita gente, estive na fronteira, conversava e o pessoal da AP (Ação Popular) do Rio de Janeiro ficou… Primeiro, ficaram estupefatos, né. "Como é que pode? Esse cara vir do Recife se encontrar conosco aqui? O contato não seria com ele, seria com a cúpula da Ação Popular de Recife". E eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz. Essa foi a informação que eu tive na época sobre esse episódio.
Fernando desapareceu em fevereiro de 1974, durante o governo de Médici, após ser preso por agentes do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Segundo a Comissão Nacional da Verdade, ele foi "preso e morto por agentes do Estado brasileiro" e "permanece desaparecido, sem que os seus restos mortais tenham sido entregues à sua família".
A frase de Bolsonaro provocou ampla repercussão. A OAB publicou uma nota repudiando as falas e mencionando que "o Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos." O episódio chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), acionado pelo presidente da OAB para cobrar esclarecimentos sobre as falas de Bolsonaro. O ministro Luís Roberto Barroso concedeu prazo de duas semanas para que o presidente apresente esclarecimentos sobre a morte de Fernando, uma vez que não tem qualquer respaldo nas informações oficiais.
A 45ºC, um calorão enorme, o cara sobe lá no coqueiro, corta as folhas de carnaúba, daí vai procurar o lugar para fazer pipi e daí tem que ter banheiro químico? Não pode fazer pipi no pé da árvore? Uma tremenda de uma multa em cima dele.
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No último dia 30, Bolsonaro falou em dois momentos sobre o trabalho escravo, durante cerimônia no Palácio do Planalto. Primeiro, discorreu sobre o assunto em discurso em evento sobre normas sobre segurança e saúde laboral. Depois, em coletiva à imprensa.
O presidente criticou o afastamento da propriedade por trabalho análogo à escravidão, afirmando que pretende mudar a lei. Porém, não deu detalhes — apenas disse que quer retirar a "subjetividade" da lei.
E você acredita em Comissão da Verdade? Você acredita no PT? Por que não começou com Celso Daniel? Nós queremos desvendar crimes. A questão de 64 não existem documentos de matou, não matou, isso aí é balela.
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Também no dia 30, o presidente contestou o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, responsável pela apuração de violações durante a ditadura militar. Novamente, insistiu que não existem documentos sobre a morte do pai do presidente da OAB. Disse que os atestados de mortes de militantes são "balela".
Depois das declarações, na quinta-feira (1º), substituiu os integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que investiga crimes da ditadura militar, por militares e aliados ao PSL.
Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que eles acham.
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Ainda no dia 30, o presidente se manifestou pela primeira vez sobre o massacre em presídio no Pará, que deixou 58 mortos no último domingo — outras quatro pessoas morreram ao serem transferidas. Ao sair do Palácio do Planalto, não quis responder às perguntas de repórteres sobre o tema, limitando-se a proferir a frase acima ao se referir à maior chacina do ano dentro de presídios do país — e a maior desde o massacre do Carandiru, em 1992.
"Não é resposta que um presidente dê a essas famílias", reagiu Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu.