Em diálogos divulgados nesta quinta-feira (18) pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com o site The Intercept Brasil, conversas atribuídas a procuradores da Operação Lava-Jato, de 2015, indicam que o então juiz federal Sergio Moro teria interferido nas negociações das delações premiadas de dois executivos da construtora Camargo Corrêa.
Moro, de acordo com a publicação, avisou aos procuradores que só homologaria os acordos de colaboração se a pena proposta aos executivos Dalton Avancini e Eduardo Leite incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado. Os diálogos revelam também que a interferência do juiz causou incômodo entre os integrantes da força-tarefa.
No dia 23 de fevereiro de 2015, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, teria sugerido a Carlos Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações com a Camargo Corrêa, que aproveitasse uma reunião com Moro para consultá-lo sobre as penas a serem propostas aos delatores.
"A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos", disse Deltan.
Ao responder à mensagem de Deltan, segundo a publicação, Carlos Fernando afirmou que "o procedimento de delação virou um caos". Segundo ele, era preciso pensar a longo prazo:
"O que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a platéia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente. Isso até é contrário à boa-fé que entendo um negociador deve ter. E é bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores", escreveu.
No dia 25, o chefe da força-tarefa voltou a manifestar sua preocupação. As mensagens indicam que o procurador temia a reação do juiz.
"Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?", perguntou a Carlos Fernando. "Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos", completou.
"Podemos até fazer fora do que ele colocou (quer que todos tenham pena de prisão de um ano), mas tem que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse", acrescentou Deltan.
Com a assinatura dos acordos, dois dias depois, ficou acertado que os dois executivos da Camargo Corrêa, Avancini e Leite, que estavam presos em Curitiba em caráter preventivo havia quatro meses, sairiam da cadeia com tornozeleiras e ficariam mais um ano trancados em casa.
Naturalidade
As mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept indicam que, com o tempo, a suposta interferência do juiz passou a ser vista com naturalidade pelos procuradores. Em agosto de 2015, o caso de Avancini foi lembrado num grupo do Telegram que reunia integrantes da força-tarefa de Curitiba e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
"Moro tem reclamado bastante, mas ao final sempre concorda com a nossa proposta", escreveu o procurador Paulo Roberto Galvão, de Curitiba, ao responder a um colega que perguntou sobre casos em que o juiz teria rejeitado acordos de delação por considerar fracas as provas apresentadas.
Seis meses depois, quando um terceiro executivo da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler, fechou acordo de delação premiada e era preciso decidir em que instância ele seria submetido a homologação, Deltan consultou Moro. Moro respondeu que era indiferente à questão, mas queria saber os termos do acordo com o empreiteiro mesmo assim.
"Para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condições e ganhos?", teria perguntado o juiz no Telegram. "Vou checar e eu ou alguém informa", teria respondido Deltan.
Contraponto
Em nota, o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou que não participou das negociações de nenhum acordo de colaboração premiada na época em que foi o juiz responsável pelos processos da Operação Lava-Jato no Paraná, de 2014 a 2018.
“Cabe ao juiz, pela lei, homologar ou não acordos de colaboração”, acrescenta a nota. “Pela lei, o juiz pode recusar homologação a acordos que não se justifiquem, sendo possível considerar a desproporcionalidade entre colaboração e benefícios.”
Moro afirmou ainda que não reconhece a autenticidade do material obtido pelo Intercept, porém, não apontou indícios de adulteração nos diálogos. Ao interpretar as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept, o ministro afirmou que “os procuradores referem-se a decisões judiciais expressas, inclusive em termos de audiência, que exigiram esclarecimentos, ajustes ou maior rigor penal para homologação de acordos”.
“Ressalta-se que não há ilegalidade ou imoralidade nas decisões judiciais, que estão nos autos processuais, repudiando-se nova tentativa de, mediante sensacionalismo e violação criminosa da privacidade, atacar a correção dos esforços anticorrupção da Operação Lava Jato”, diz a nota do ministro.
Informada sobre o conteúdo das mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba afirmou que não se manifestaria sobre o assunto sem ver os diálogos, mas reiterou que não reconhece a autenticidade do material.
As defesas dos ex-diretores da Camargo Corrêa que fecharam acordos de colaboração premiada com a Lava-Jato, Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Ricardo Auler, e do ex-gerente da Petrobras Eduardo Costa Vaz Musa, também não quiseram se manifestar sobre os diálogos.