O presidente Jair Bolsonaro e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, trocaram quatro dos sete integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). A mudança foi publicada na edição desta quinta-feira (1º) do Diário Oficial da União.
A troca ocorre uma semana depois de a comissão, vinculada ao governo, emitir documento reconhecendo que a morte de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ocorreu "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro".
Na última segunda-feira (29), Bolsonaro disse que poderia explicar a Felipe como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar. A declaração foi repudiada por entidades, e a comissão alvo das mudanças desta quinta pediu explicações ao presidente.
A então presidente da CEMDP, Eugênia Augusta Gonzaga, que foi substituída, criticou a fala de Bolsonaro.
— É muito grave essa declaração. Ele (Bolsonaro) está transformando um dever oficial, que é dar informações aos familiares, que ele já deveria ter cumprido, em uso político contra um crítico do seu governo — disse.
Horas depois de dar a declaração, Bolsonaro disse que não foram militares que mataram Santa Cruz. O presidente insinuou que ele teria sido assassinato por companheiros, argumentando que havia "justiçamento" dentro da própria esquerda, durante o período militar.
De acordo com o decreto publicado nesta quinta, as mudanças feitas na composição da comissão são as seguintes:
- Marcos Vinicius Pereira de Carvalho assume a presidência no lugar de Eugênia Augusta Gonzaga Fávero
- Weslei Antônio Maretti substitui Rosa Maria Cardoso da Cunha
- Vital Lima Santos substitui João Batista da Silva Fagundes
- Filipe Barros de Toledo Ribeiro substitui Paulo Roberto Severo Pimenta
CNV e CEMDP
Criada em 2011 e instalada em 2012, durante o governo Dilma Rousseff (PT), a Comissão Nacional da Verdade (CNV) teve por finalidade apurar graves violações contra os direitos humanos de setembro de 1946 a outubro de 1988. Ela foi concluída em dezembro de 2014.
Seus integrantes foram advogados, especialistas em direitos humanos, um ex-procurador-geral da República e um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foram ouvidos vários militares que atuaram na repressão às organizações de esquerda durante a ditadura militar (1964-1985).
A CNV trabalhou com diversas bases documentais, mas o grosso dos papéis, agora questionados pelo presidente Bolsonaro, veio das próprias Forças Armadas. Setores da inteligência militar produziram informações que, a partir dos anos 1990, foram entregues ao Arquivo Nacional, um dos principais colaboradores dos trabalhos da comissão.
A CNV não se confunde com a CEMDP, existente desde 1995, ao longo de todos os governos. Ela é formada por sete conselheiros, incluindo membros do Ministério Público e do Congresso.
Foi essa comissão, e não a CNV, que emitiu um atestado de óbito no último dia 24 que reconhece que Fernando Santa Cruz morreu em 1974 de forma "violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985".
"Agora é de direita"
Bolsonaro afirmou que a mudança de sete integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos se deu pelo fato de agora o Brasil ter um governo de direita.
— O motivo (é) que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles (governos anteriores) botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também — afirmou, ao sair do Palácio da Alvorada na manhã desta quinta-feira.