Militante da Ação Popular (AP), Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira foi visto pela última vez por seus familiares em 23 de fevereiro de 1974, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade. Fernando de Santa Cruz Oliveira havia saído de casa para encontrar um amigo de infância e havia dito à família que, caso não voltasse até as 18h daquele dia, "provavelmente teria sido preso".
A Comissão Nacional da Verdade — criada pelo Estado para fazer um registro oficial dos crimes do regime militar — relata que Fernando e seu amigo, Eduardo Collier Filho, provavelmente foram presos por agentes do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro.
A Comissão cita ainda um documento de 1978 no qual o Ministério da Aeronáutica reconhece que Fernando foi preso em fevereiro de 1974.
"Já na década de 1990, o Relatório da Marinha enviado ao então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, em dezembro de 1993, informava que Fernando teria sido preso no dia 23 de fevereiro de 1974, sendo considerado desaparecido desde então", acrescenta o relatório.
As versões dos relatórios da Marinha e da Comissão da Verdade contradizem o que o presidente Jair Bolsonaro falou sobre Fernando Santa Cruz. Em uma transmissão de vídeo nas redes sociais, ele disse que grupo de esquerda do qual o militante fazia parte seria responsável por seu desaparecimento, e não os militares.
— O pessoal da Ação Popular ficaram (sic) estupefatos, né? Como é que pode este cara do Recife vir se encontrar conosco aqui no Rio de Janeiro, o contato não seria com ele, seria com a cúpula no Recife. E eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz, essa é a informação que eu tive na época — argumentou o presidente.
Hipóteses para o caso
A Comissão Nacional da Verdade elencou duas hipóteses para o caso do pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. A primeira é a de que, depois de preso no Rio, ele foi levado para o DOI-Codi em São Paulo.
"Essa indicação do DOI-Codi/SP como possível órgão responsável pelo desaparecimento de Fernando e Eduardo aponta para a possibilidade de os corpos dos dois militantes terem sido encaminhados para sepultamento como indigentes no Cemitério Dom Bosco, em Perus", diz o texto.
Outra possibilidade levantada é a de que Fernando e seu amigo foram encaminhados para a chamada Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), "e seus corpos levados posteriormente para incineração em uma usina de açúcar".
Já depoimentos do ex-analista do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) Marival Chaves, afirmam que Fernando Santa Cruz foi assassinado. Ele teria sido morto junto com outros ex-integrantes da organização de esquerda Ação Popular (AP), numa operação executada por conhecidos militares da repressão, como o então coronel do Exército Paulo Malhães (1937-2014).
"Fernando de Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho permanecem desaparecidos até hoje", conclui o relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Esforço de familiares
O relatório também narra o esforço dos familiares dos dois de descobrir, sem sucesso, o paradeiro de Fernando e Eduardo.
A mãe de Fernando chegou a ir ao quartel-general do 2º Exército, em São Paulo, quando um agente do local informou que seu filho e Eduardo estavam naquelas dependências. Ao retornar, poucos dias depois, recebeu de outro funcionário uma informação diferente: a de que ocorrera um equívoco e que Fernando e Eduardo não estavam na instituição.
Os familiares seguiram com as buscas, ainda de acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade. Foram enviadas cartas ao comandante do 2º Exército e ao general Golbery do Couto e Silva.
A família recebeu uma resposta do 2º Exército, que negou que Fernando estivesse preso desde fevereiro de 1974 em "qualquer dependência" da entidade.
O texto da Comissão Nacional da Verdade também revela que a família escreveu cartas à primeira-dama dos Estados Unidos, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Dom Helder Câmara, entre outras pessoas influentes.
O regime militar disse, em resposta à CIDH, que Fernando estaria vivendo na clandestinidade. Apesar da versão oficial, a Comissão Nacional da Verdade cita um documento de 1978 no qual o Ministério da Aeronáutica reconhece que Fernando foi preso em fevereiro de 1974.