Presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz afirmou nesta segunda-feira (29) que o presidente Jair Bolsonaro demonstra "crueldade e falta de empatia" ao dizer que poderia explicar como o pai de Santa Cruz desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985).
Em nota, ele disse que, "goste ou não o presidente", o que une sua geração com a de seu pai é "o compromisso inarredável com a democracia", e "por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios".
"O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a diferença entre público e privado, demonstrando mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia", escreveu o presidente da OAB.
Ele também cobrou que Bolsonaro diga o que sabe sobre "todos os demais desaparecidos".
"Se o presidente sabe, por 'vivência', tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais 'desaparecidos', nossas famílias também querem saber."
Na manhã desta segunda-feira, ao reclamar sobre a atuação da OAB na investigação de Adélio Bispo, autor do atentado à faca de que foi alvo, Bolsonaro afirmou:
— Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele.
— Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro — acrescentou o presidente.
Santa Cruz classificou as declarações de Bolsonaro como lamentáveis e afirmou "estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão".
"Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro — e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos."
Ele é filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, após ter sido preso junto de um amigo chamado Eduardo Collier por agentes do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão de repressão da ditadura militar, no Rio de Janeiro.
Fernando era estudante de direito, funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica em São Paulo e integrante da Ação Popular, grupo marxista formado pela juventude católica em 1962. Felipe tinha dois anos quando o pai desapareceu.
No relatório da Comissão Nacional da Verdade, responsável por investigar casos de mortos e desaparecidos na ditadura, não há registro de que Fernando tenha participado da luta armada.
O documento, inclusive, ressalta que Fernando à época do seu desaparecimento "tinha emprego e endereço fixos e, portanto, não estava clandestino ou foragido dos órgãos de segurança".
"Meu pai era da juventude católica de Pernambuco, funcionário público, casado, aluno de direito. Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado", disse o presidente da OAB.
Santa Cruz também afirmou que Bolsonaro se incomoda com "a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar". "Temas que, aliás, sempre estiveram - e sempre estarão - sob a salvaguarda da Ordem do Advogados do Brasil."
O presidente da OAB disse que a principal missão da entidade é a defesa das prerrogativas da advocacia brasileira.
"Asseguro que permaneceremos irredutíveis na garantia do sigilo da comunicação entre advogado e cliente. Garantia que é do cidadão, e não do advogado. Vale salientar que, no episódio citado na infeliz coletiva presidencial, apenas o celular de seu representante legal foi protegido. Jamais o do autor, sendo essa mais uma notícia falsa a se somar a tantas."