Assunto que monopolizou os debates no país e, principalmente, o meio jurídico no último mês, as revelações de possíveis diálogos entre o então juiz Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol não macularam os resultados que a Lava-Jato alcançou em condenações. A opinião de Ricardo Breier, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-RS), que tem 86 mil associados ativos, diverge de parte da advocacia do país e, de certa forma, da representação nacional da entidade. Breier garante que a maioria, “90% da categoria”, apoia a postura de não condenar Moro e Dallagnol com base no que foi divulgado até agora.
– A OAB sempre repudiou o uso de prova ilícita para qualquer repercussão dentro do processo ou fora. Temos de manter a coerência – referindo-se ao conteúdo divulgado a partir da alegada ação de hackers que teriam violado o acesso ao aparelho do procurador.
A OAB nacional pediu o afastamento de Sergio Moro após a divulgação dos primeiros diálogos. A OAB gaúcha e a do Mato Grosso do Sul se opuseram. Com as novas revelações, o senhor mantém a opinião?
Continuo porque entendo que nada foi comprovado nos vazamentos. Há uma especulação no campo político, mas não temos nada de concreto. Se, porventura, ficar comprovado, caberá ao Poder Judiciário dizer. Se virar processo, e tiver elementos concretos de vício formal dentro da Lava-Jato em algum dos processos paralelos. Primeiro, teria de se identificar em qual caso esses diálogos poderiam trazer prejuízo de vício no julgamento, perdendo o juiz a sua imparcialidade. Então, não é algo simples. Por isso, temos de ter responsabilidade institucional, toda cautela é importante.
É uma opinião pessoal ou reflete o pensamento da maioria dos advogados do Estado?
Me manifestei a respeito da prudência. Era prematuro o afastamento como ainda entendemos que é, porque não há processo judicial para apurar responsabilidades. Nesse contexto de especulações virtuais – e sabemos como elas são, temos exemplos em outras eleições mundiais em que houve interferências gravíssimas para manipular campanhas políticas –, temos de fortalecer as instituições no Brasil. Dar credibilidade até que se apure, dentro das regras democráticas, se houve ou não responsabilidade, se houve ou não perda da imparcialidade. Quando dei minha opinião, 90% aprovaram a posição da cautela. Creio que grande parte da advocacia, porque nada neste país é unânime, ainda mais no momento polarizado em que a gente vive. Tanto a sociedade quanto a advocacia entenderam que a Ordem agiu corretamente pelo equilíbrio, pela prudência e pela cautela.
A OAB nacional foi precipitada?
O Conselho Federal fez o seu debate e teve uma posição. Isso não quer dizer que tenhamos de seguir a recomendação, porque as seccionais têm autonomia. Claro que, em temas nacionais, sempre buscamos adotar uma sintonia com o Conselho Federal. Não questionamos a nota do Conselho Federal na sua integridade, em muitos aspectos concordamos com ela. É só neste aspecto do afastamento que entendemos ser prematuro.
O senhor viaja bastante ao Interior. O que tem ouvido da classe?
Apoio total à Lava-Jato, à operação judicial para desvendar esse alto índice de corrupção que teve no Brasil. A maioria dos advogados entende que agimos corretamente no sentido de não pedir o afastamento até que se possa trazer elementos concretos.
Como o senhor avalia a alegação de parte dos advogados de que a defesa do ex-presidente Lula não teve chance de se apresentar de forma adequada?
Sou advogado há muitos anos e milito com a certeza. Esses vazamentos não estão comprovados. Existe especulação política, mas, jurídica, não temos certeza. Até porque Moro e Dallagnol negam. E, se vier a ser comprovado, a Ordem tomará as posições que têm de tomar. Ou seja, as pessoas devem ser responsabilizadas. Mas há de se provar. O Poder Judiciário terá de dizer se o que está posto influenciou ou não nas decisões proferidas pelo magistrado e nas ações do promotor em diversos processos da Lava-Jato. O Poder Judiciário tem de assumir a responsabilidade, se assim entender, de averiguar e, ao final, dando direito ao contraditório e à ampla defesa, tomar sua decisão.
Quando o senhor fala em interesses políticos, o que seria isso?
Hoje há duas formas de ver o Brasil. Temos o lado A e o lado B. Infelizmente, não temos um centro para equilibrar. Está faltando diálogo de equilíbrio e paciência. Há interesse político para, de alguma forma, tentar tirar o crédito da Lava-Jato, assim como o de manter o crédito da operação. O que não podemos é, pelo interesse político, ter um comportamento que possa fragilizar a Lava-Jato ou as instituições. Não podemos ser pautados por questões políticas. Temos de ter equilíbrio e sermos o mais técnico possível até para tirar a dúvida: é verdade tudo isso? Não ficou comprovado? Não pode, nessa fase, só pelas divulgações, servir de base para fazer toda uma mudança ou um afastamento ou a nulidade de um processo. O “inquérito midiático” tira do Estado o controle processual (juiz, partes), a análise dos fatos. O não-respeito ao devido processo legal coloca em risco a própria existência do Estado Democrático de Direito.
Mesmo que as conversas sejam verdadeiras, a Lava-Jato continua de pé?
Acho que continua porque temos que saber os limites, se comprovado lá na frente, em quais procedimentos isso atingiu. Acho que não foi toda Lava-Jato. Já temos algumas comprovações: acordos de leniência, onde foram devolvidos bilhões aos cofres públicos, colaborações premiadas de pessoas que confessaram (crimes), condenados cumprindo pena. Então, a Lava-Jato está ratificada pelo próprio Poder Judiciário. Hoje, a sociedade e grande parte da população brasileira quer o combate à corrupção, dentro do Estado Democrático de Direito, e anular todo esse procedimento é um risco muito grande. O patrimônio da Lava-Jato é nacional.
Ela não fica maculada?
Não fica e tem de continuar, respeitando as regras e o Estado democrático de Direito. Vimos as grandes consequências que ocorreram no Rio de Janeiro. A Petrobras não quebrou porque é muito grande. E a promiscuidade do poder público e político em campanhas, que prejudicou muito o país. Não foi a Lava-Jato que prejudicou o país, como vemos muitos comentarem. Ah, os processos da Lava-Jato pararam a República, pararam a economia. Não foi isso que parou. A corrupção de anos é que não deixa o Brasil avançar. Não temos coisas básicas em virtude do desvio de dinheiro. A operação contribui para o debate: queremos continuar com essa política do toma lá dá cá? A gente não quer mais e acho que as urnas já mostraram a oxigenação no ano passado. Espero que a política mude esse patrimonialismo e entre para o estadismo, que seja do bem comum.
Uma das críticas que se faz a Moro é o de o juiz dirigir o processo. Isso não colide com a função do advogado de defesa?
O juiz tem limites. Para manter a imparcialidade, não vai ser um juiz instrutor e julgador ao mesmo tempo. Isso que se propunha dentro da reforma, um juiz que possa produzir as provas e um juiz que julgue. Não sei se nós alcançamos essa maturidade. Mas um juiz tem de manter sua imparcialidade dentro do conjunto que é apresentado a ele porque temos partes. O Ministério Público é uma parte, a defesa é outra. E essas partes que têm de levar os elementos dentro da regra processual, no respeito ao Estado Democrático de Direito. Temos suposições. Se ficar provado, é um fato que quebra a regra da imparcialidade. Não podemos deixar essa política que está hoje, questionando a Lava-Jato, fragilizar as instituições. Se ocorreu um fato pontual, será analisado. E aí a responsabilidade será apurada. Mas dentro de uma realidade, que não é a virtual, que é o devido processo.