A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (Cemdp) vai pedir explicações ao presidente Jair Bolsonaro. Ao reclamar da atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no caso de Adélio Bispo, o chefe do Executivo nacional afirmou que, se o presidente da entidade Felipe Santa Cruz quisesse saber como o pai dele desapareceu no período militar, ele contaria.
Felipe é filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974 no Rio de Janeiro, aos 26 anos de idade.
Segundo depoimentos do ex-analista do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) Marival Chaves, Fernando Santa Cruz foi assassinado. Ele teria sido morto junto com outros ex-integrantes da organização de esquerda Ação Popular (AP), numa operação executada por conhecidos militares da repressão, como o então coronel do Exército Paulo Malhães (1937-2014).
Nesta segunda-feira (29), Bolsonaro disse que tem informações sobre o que aconteceu com Santa Cruz, mas não explicou o quê.
— É muito grave essa declaração. Ele (Bolsonaro) está transformando um dever oficial, que é dar informações aos familiares, que ele já deveria ter cumprido, em uso político contra um crítico do seu governo — disse a presidente da Cemdp, procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga.
— É lamentável a declaração sob qualquer aspecto. Ele dizer que sabe e usar isso, é uma forma de reiterar a tortura dos familiares. E o mais grave, ele usa um golpe tão baixo contra uma pessoa que ele ataca politicamente — disse Eugênia.
A Cemdp vai reiterar os termos de um ofício encaminhado à Presidência da República no começo do governo Bolsonaro no qual as famílias assinalaram a necessidade de adoção urgente de ações, pelo chefe do Executivo, a fim de localizar mortos e desaparecidos e prestar informações aos familiares.
A carta foi resultado de um encontro nacional de familiares de mortos e desaparecidos. A Cemdp foi criada em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e atualmente é vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Os familiares de Santa Cruz são historicamente dos mais engajados na longa batalha para obter informações sobre desaparecidos e mortos na ditadura militar (1964-1985). A mãe de Fernando, Elzita Santos Santa Cruz Oliveira, morreu em junho aos 104 anos de idade e ao longo dos últimos 45 anos não deixou de procurar informações sobre o destino dado ao corpo de seu filho, segundo Eugênia.
— Dona Elzita é um dos símbolos dessa luta. O presidente mexe com aquilo que é mais caro aos familiares, saber o destino dos seus entes queridos — disse a procuradora.
Parentes de Santa Cruz, como seu irmão Marcelo, regularmente participam de encontros e discussões entre os familiares de mortos e desaparecidos.
De acordo com as investigações feitas ao longo dos anos por órgãos público e pelos familiares, o recifense e ex-aluno de direito Fernando Santa Cruz não integrava quadros de luta armada quando desapareceu, no dia 23 de fevereiro de 1974, no caminho para Copacabana, junto com o amigo Eduardo Collier Filho, ex-aluno de direito na Universidade Federal da Bahia.
Ambos integravam um pequeno grupo de esquerda chamado Ação Popular Marxista-Leninista (APML), que era uma dissidência da AP. Na época do desaparecimento, Santa Cruz era servidor público do Departamento de Águas e Energia Elétrica, em São Paulo.
Como era Carnaval, ele foi ao Rio se encontrar com familiares. Ele tinha sido preso em 1966 por integrar o movimento estudantil no Recife. Sua irmã, Rosalina, também foi presa e torturada na ditadura.