A vitória de Jair Bolsonaro e de inúmeros outros candidatos com perfil conservador na última eleição despertaram a cobiça dos partidos por um eleitorado até então disperso no país. De olho nesse contingente, pelo menos quatro grupos políticos disputam a primazia de liderar a nova direita que emergiu das urnas.
Por enquanto, a hegemonia pertence a Bolsonaro, conquistada com 56 milhões de votos no segundo turno e a eleição de 52 deputados pelo PSL. Operando à margem do governo, o DEM, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Novo tentam se cacifar à liderança do segmento.
Bolsonaro foi quem melhor soube entender a insatisfação popular com o PT. Desde 2015, ele percorreu o país se apresentando como antípoda do petismo e representante de valores tradicionais.
Em seus discursos, defendia uma pauta conservadora nos costumes e liberal na economia. A plataforma atraiu não só milhões de eleitores como também debutantes na política que colaram sua imagem ao capitão reformado do Exército.
O resultado foi a formação da segunda maior bancada da Câmara, um grupo numeroso porém repleto de personagens folclóricos que não respeitam hierarquias e atuam em faixa própria no Congresso.
É essa independência que está incomodando a família Bolsonaro. Desde o início da atual legislatura, os três filhos do presidente buscam um novo partido para abrigar o que consideram a essência do bolsonarismo.
Nova UDN
A ideia é passar um filtro no PSL e atrair integrantes de outras siglas, montando uma bancada com menos disputas internas por protagonismo e fidelidade total às ideias do clã. Para dar mais simbologia à iniciativa, eles pretendem ressuscitar a União Democrática Nacional (UDN).
Legenda de oposição ao então presidente Getúlio Vargas, a UDN foi extinta com o golpe militar de 1964 e muitos de seus integrantes migraram para a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o então partido oficial do novo regime.
— O brasileiro sempre foi conservador, mas ficava escondido no armário. Agora vamos recriar a UDN, o único partido do Brasil que tem o DNA da direita — diz Marcus Alves de Souza, dirigente que está organizando a recriação da legenda.
Tão logo surgiram os primeiros rumores de uma possível migração da família do presidente para a UDN, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi cobrado por correligionários e se apressou em negar o movimento. Souza, porém, admite as negociações e afirma que o novo partido tem a "cara do presidente".
— Bolsonaro só foi para o PSL por falta de opção. Partido Social Liberal, o que é isso? Faz esquina com quem? Não posso adiantar nada ainda, mas tenho conversado com todos (da família Bolsonaro) e estamos indo bem. Não seremos o maior partido do Brasil, mas uma surpresa muito grande, com gigantes da política — promete.
Egresso do PRP, Souza diz já ter coletado 380 mil das 497 mil assinaturas exigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e espera obter homologação da Justiça nos próximos meses. O MBL está em estágio menos avançado, porém é mais ambicioso. À frente das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o grupo mostrou capacidade de mobilização popular e agora almeja criar o maior partido de direita do país.
O movimento consultou o TSE e aguarda resposta sobre a validade de coleta de assinaturas digitais para formação da própria agremiação. Como seus líderes têm planos de disputarem as principais prefeituras do país no ano que vem, eles esperam contar com os apoiadores digitais para abreviar a burocracia de uma coleta manual de assinaturas.
MBL quer "liderar o pensamento da direita"
Na última eleição, os integrantes do MBL se dispersaram por vários partidos, em especial o DEM, o Novo e o PP, elegendo quatro deputados e dois senadores. Eles aumentaram o poder de ação com a criação de uma frente em defesa do livre mercado que já conta com cerca de 30 parlamentares.
— O MBL quer ser o que o PT era antes para a esquerda: um partido grande e influente. O objetivo é liderar o pensamento da direita — conta o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), um dos expoentes do MBL no Rio Grande do Sul.
Até a ascensão do MBL e do próprio PSL, era o DEM quem detinha no país o monopólio da pauta conservadora nos costumes e liberal na economia. Quando ainda se chamava PFL, teve a maior bancada da Câmara, com 105 deputados em 1998, mas definhou sob as gestões petistas, chegando a pouco mais de uma dezena de parlamentares.
Em discurso em Santa Catarina durante a campanha eleitoral de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugeriu que o partido fosse "extirpado" da política brasileira.
O renascimento começou com a queda de Dilma e a eleição de Rodrigo Maia (RJ) à presidência da Câmara, em substituição ao cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ). Maia chegou a flertar com o Planalto em duas ocasiões: em 2017, durante as denúncias que quase levaram ao afastamento do presidente Michel Temer, e no ano passado, quando se lançou pré-candidato à Presidência, mas acabou desistindo.
O apogeu do DEM veio em 2019, com a reeleição de Maia na Câmara e a vitória de Davi Alcolumbre (AP) no Senado. O partido conta ainda com três ministros no governo Bolsonaro, o que faz dele o mais poderoso da Esplanada.
— Mesmo na oposição, o DEM se manteve coerente com a agenda liberal, diferente do tucanato, que ficou em cima do muro. Quando os ventos mudaram, eles estavam alinhados à nova onda — analisa o cientista político Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Com discurso mais progressista, mas também afinado com valores caros à direita, o Novo é o mais jovem dos partidos que trafegam por esse espectro político. Sem pretensões hegemônicas, a legenda disputou a Presidência com João Amoêdo e ficou na quinta colocação, com 2,5% dos votos, mas elegeu um governador, oito deputados federais, 11 estaduais e um distrital. O partido dispensa recursos públicos e coligações.
Os quatro partidos que disputam o protagonismo
DEM
Rodrigo Maia, deputado federal pelo Rio de Janeiro, foi reeleito presidente da Câmara em fevereiro, apesar da oposição que recebeu de nomes do governo, inclusive eleitores de Jair Bolsonaro. No ano passado, lançou-se pré-candidato à Presidência, mas desistiu para apoiar Geraldo Alckmin (PSDB). Hoje é considerado o principal fiador da reforma da Previdência.
Família Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus filhos parlamentares Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e Carlos (vereador) foram eleitos com expressivas votações, ancorados em discurso de combate à corrupção, mas agora enfrentam investigações contra si e seu partido, o PSL (apenas Carlos não está filiado à sigla). Têm interesse em fundar uma agremiação conservadora.
MBL
Kim Kataguiri, um dos líderes das manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) e do Movimento Brasil Livre (MBL), foi eleito deputado federal pelo DEM com a quarta maior votação de São Paulo. Ensaiou uma candidatura à presidência da Câmara, mas desistiu a poucos dias da eleição. Além dele, outros nomes ligados ao MBL foram eleitos no ano passado e agora querem formalizar um partido.
Novo
Em sua primeira eleição nacional, o Novo se apresentou com o discurso de “nova forma de fazer política”. O candidato à Presidência João Amoêdo ficou na quinta colocação, com 2,5% dos votos, mas a sigla elegeu um governador (Romeu Zema, em Minas Gerais), oito deputados federais, 11 estaduais e um distrital. O partido não utiliza recursos públicos e também não fez coligações no ano passado.