Pela mesma porta da frente do Palácio Piratini em que Alceu Collares entrou em 1991, como o primeiro governador negro eleito do Rio Grande do Sul, seu corpo saiu em direção à última morada, o Cemitério Jardim da Paz.
No salão principal do Palácio, que leva o nome de Negrinho do Pastoreio, Collares foi velado neste dia de Natal pela família, amigos, companheiros do PDT e admiradores. Nesse mesmo salão, Collares tomou posse, presidiu incontáveis atos oficiais e transmitiu o cargo ao sucessor, Antônio Britto.
Desde que a morte foi anunciada, na manhã de terça-feira, o que mais se ouviu foram elogios ao “negrão de Bagé”, como gostava de ser chamado. Não foram somente elogios dos trabalhistas, o que seria óbvio, mas de antigos adversários, que acabaram se tornando admiradores do jeito franco e da alegria de viver do ex-governador, ex-prefeito e ex-deputado federal.
Os ex-governadores destacaram a trajetória singular do menino que cresceu numa casa de pau a pique e vendia laranjas na infância pobre em Bagé.
No velório, antigos eleitores fizeram questão de dar adeus ao líder com voz de trovão, que cativava plateias com discursos de improviso e recitava poemas de sua própria autoria ou de terceiro. De todos, o mais conhecido é O voto e o pão, com versos que mostram o quanto a política em geral e o voto em particular impactam na vida do cidadão. Collares declamava para quem ia visitá-lo no refúgio do bairro Ipanema onde viveu os últimos anos ao lado da esposa, Neuza Canabarro.
“Se eu morrer, irei muito contrariado”
Quando precisou ser hospitalizado no dia 16 de dezembro, porque lhe faltava o ar, a família suspeitou que pudesse ser gripe ou covid. Era pneumonia. Collares fez um pedido a Neuza e à filha dela, Celina:
– Não me deixem morrer. Saibam que se eu morrer, irei muito contrariado.
Collares, de fato, gostava de viver. Era um homem movido a paixão. Queria chegar aos cem, mas teve de ir embora contrariado, aos 97 anos de uma trajetória ímpar.