Eles são uma minoria silenciosa e enfrentam a reprovação de colegas, em alguns casos com críticas e retaliações. Estima-se que, no país, menos de 15% dos membros do Judiciário e do Ministério Público (MP) abram mão do auxílio-moradia por questões morais e éticas.
O número exato é uma incógnita. No caso dos tribunais, os dados disponíveis no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não mencionam as motivações. É possível concluir que cerca de 30% de um universo de 24,1 mil magistrados estão fora da lista de contemplados, mas nessa conta entram aposentados e licenciados (sem direito à verba), juízes e desembargadores casados com outros beneficiados (que, em tese, não podem acumular o ganho), e magistrados com residências oficiais.
No MP, é mais difícil chegar ao percentual geral porque o conselho nacional do órgão disponibiliza as planilhas salariais, mas não segue o padrão do CNJ. As verbas indenizatórias não são discriminadas, dificultando análises mais refinadas.
Levando em conta apenas o Rio Grande do Sul, 5,4% dos membros em atividade do Tribunal de Justiça, do MP, da Justiça Militar e do Tribunal de Contas dispensam a ajuda de custo – seja por considerarem injusto, seja por imposição legal. São 79 pessoas. A título de exemplo, dos 16 desembargadores do TJ na lista, quatro teriam desistido do recurso por vontade própria – e apenas um deles, o desembargador João Barcelos de Souza Jr., tornou pública a decisão. Em entrevista a GaúchaZH, em fevereiro, ele disse que não se sentiria confortável em receber o dinheiro, o que o levou a renunciar ao recurso.
— Como eu, com três imóveis próprios, poderia justificar o recebimento de auxílio-moradia? — questionou, na ocasião.
Na prática, casos como o do desembargador gaúcho são ínfimos. A maioria deles mantém a decisão em sigilo por medo de ferir suscetibilidades. Essa é a preocupação de um juiz do Trabalho de Porto Alegre que aceitou falar, sob a condição de anonimato. Ele nunca recebeu a verba por entender que a liminar concedida em 2014 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux "teve caráter corporativista" e por considerar equivocado o pagamento indiscriminado do benefício.
— Deveria ser uma ajuda de custo excepcional, como de fato foi entre 1979 e 2014, por isso não aceitei receber. Contei para dois ou três amigos e para a minha mulher, só. Não quero que pareça que estou acusando meus colegas de antiéticos nem quero demonizar o Judiciário. Seria muito custoso criar esse tipo de atrito com eles. Qualquer categoria profissional faria a mesma coisa que a magistratura está fazendo — pondera o magistrado.
A carga de tensionamento nos bastidores vem aumentando desde que a polêmica ganhou repercussão. A proximidade do julgamento contribui para isso, na avaliação do juiz Celso Karsburg, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo. Em 2014, Karsburg também decidiu ficar sem o auxílio, por achar imoral. Ele tornou pública a decisão e foi alvo de críticas de colegas.
— Na época, recebi muitos e-mails indignados. Caíram de pau em cima de mim. Agora estão todos em um brete sem saída. São favas contadas que o auxílio-moradia vai cair. É só o que se fala. No fundo, sinto pena dos colegas pela questão financeira, mas não tem justificativa — diz o juiz, que também optou por não receber o auxílio-alimentação.
Julgamento no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para discutir, na próxima quinta-feira (22), a validade do auxílio-moradia. Previsto em lei desde 1979 para indenizar juízes e desembargadores sem residência oficial, o benefício passou a compor os contracheques de 70% dos magistrados no país, inclusive daqueles que têm casa própria na cidade na qual trabalham.
Por ser classificada como verba indenizatória (destinada a ressarcir despesas em serviço), a ajuda de custo de R$ 4.377,73 permite contracheques superiores ao teto constitucional do funcionalismo (R$ 33.763) e é livre de Imposto de Renda (IR). Quem ganha não precisa comprovar gastos, pode usar o dinheiro como se fosse parte do salário.
Hoje, sem contar com essa verba, o subsídio de um juiz gaúcho em início de carreira é de R$ 22.213,44, podendo chegar a R$ 27.424,01. Desembargadores recebem R$ 30.471,11.