Único desembargador no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do RS a se opor, em 2014, ao auxílio-moradia, João Barcelos de Souza Jr. abriu mão do benefício de R$ 4,3 mil mensais por prever o desgaste que haveria para o Judiciário. Atualmente, no TJ-RS, apenas ele e outros quatro desembargadores optaram por não receber o beneficio que tem gerado polêmica. Barcelos, que atualmente julga processos na 2ª Câmara Cível, faz questão de mostrar o contracheque, que demonstra o valor do subsídio: R$ 30.471.11. Sem nenhum outro benefício, e descontados encargos, sobram R$ 19.460,51.
Por que o senhor abre mão do auxílio-moradia?
Não há heroísmo nesse meu ato. Eu e quatro colegas do TJ-RS optamos por não receber. Acredito que podemos classificar como um protesto silencioso contra a forma como o auxílio-moradia foi concebido. É muito difícil, para quem tem família e uma série de despesas, abrir mão de um dinheiro que está disponível. Os colegas que aceitaram receber certamente não tomaram a decisão sozinhos. Eles têm família, contas para pagar, despesas.
Faz falta para o senhor?
Claro que faz. Faz falta para qualquer pessoa de classe média.
Mas por que o senhor prefere não receber?
Porque vislumbrei um desgaste grande em relação ao próprio Poder Judiciário. Previ que esse desgaste aconteceria. Não pedi, não produzi e não precisava ter que explicar porque recebo um auxílio se tenho uma casa própria aqui, outra em Canoas e outra na praia. Como eu, com três imóveis próprios, poderia justificar o recebimento de auxílio-moradia?
Abro mão porque a essência do benefício não tem nada a ver comigo, com a minha história de vida que é de combate ao desperdício dos gastos públicos. Como promotor público estadual, briguei pela extinção da Justiça Militar para reduzir despesas. Como justificar o recebimento de auxílio? Não tem como. Trata-se de uma compensação por vias tortuosas pelos vencimentos não corrigidos dos magistrados.
Justificar o auxílio a partir da ideia de que se trata de compensação pela falta de reajuste salarial é um equívoco?
Não há heroísmo no meu ato (de não receber o auxílio-moradia). é muito difícil, para quem tem família e uma série de despesas, abrir mão de um dinheiro que está disponível. mas, como eu, com três imóveis próprios, poderia justificar o recebimento?
JOÃO BARCELOS DE SOUZA JR.
Desembargador
O reajuste salarial está previsto na Constituição. Não só em relação à magistratura, mas a todas as categorias de trabalhadores. E o STF nunca decidiu sobre isso. Só em relação aos próprios magistrados (uma liminar do ministro Luiz Fux garante o pagamento do auxílio).
O salário de desembargador é adequado?
É um bom salário para quem vive de forma comedida. Se tiver muitos gastos, passa a ser um salário razoável. Mas, olha, essa é a luta de todas as pessoas, não podemos esquecer isso. Os salários de todos deveriam ser corrigidos pela inflação, como manda a Constituição.
O senhor considera um erro a liminar do ministro Fux que autoriza o pagamento?
Nunca se viu nada parecido em matéria de fazenda pública. Não que não se dê liminar dando aumento para funcionário público. A regra básica é que não se gere despesa para a Fazenda a não ser em caso de extrema urgência. Na condição de desembargador, gero despesa para os cofres públicos toda vez que dou uma decisão favorável à compra de um medicamento especial a um paciente. Mas são casos excepcionais, de extrema necessidade. A liminar gerou uma repercussão financeira para a União e para os Estados que nunca se viu antes. E o mais grave disso tudo: com que urgência?
Mas aí cabe ao Supremo levar de forma rápida o caso a julgamento.
Acho que o STF vai derrubar o auxílio. Pelo que se sabe, pelas opiniões dos ministros, isso não se sustenta. O auxílio-moradia nasceu morto. Ninguém em sã consciência quer a continuidade desse desgaste – que recai sobre toda a sociedade.
Como o senhor vê a tentativa de usar o auxílio-moradia para desmerecer decisões judiciais?
É uma pena, mas é certo que isso aconteceria. Costumo dizer que todo mundo erra, mas o Judiciário deve tomar um cuidado especial para não errar. O auxílio-moradia arranha a imagem do Judiciário, que é, no imaginário das pessoas, um grande pai, aquele que decide o que é certo e o que é errado. O auxílio não tira a legitimidade das decisões, mas esse desgaste acontece, e foi o próprio Judiciário que o provocou.
O juiz Sergio Moro tem sido alvo de críticas nas últimas semanas.
E isso é uma covardia. Ele agiu como a maior parte da magistratura se comportou ao fazer o requerimento do auxílio. O trabalho dele na Lava-Jato não tem nada a ver com o fato de requerer o auxílio ou não.