Suspenso pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (26), o pagamento de auxílio-moradia a magistrados é previsto em lei desde 1979 para indenizar juízes e desembargadores sem residência oficial. Até 2014, a concessão do recurso era limitada e não seguia um padrão. Embora a vantagem estivesse expressa na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), o pagamento não havia sido regulamentado. De lá para cá, o benefício passou a compor os contracheques de 70% dos magistrados no país, inclusive daqueles que tinham casa própria na cidade na qual trabalhavam.
O cenário mudou em 2014 por conta de uma liminar (decisão provisória) concedida pelo próprio Fux, assegurando a um grupo de juízes federais direito ao adicional. A prerrogativa foi estendida a toda a magistratura do país e, por isonomia, aos membros do Ministério Público (MP) e dos tribunais de Contas. Na sequência, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do MP regulamentaram a medida.
Os repasses, então, passaram a ser padronizados e a contemplar um número crescente de beneficiados. A situação acabou motivando ações judiciais contra os depósitos.
Por ser classificada como verba indenizatória (destinada a ressarcir despesas em serviço), a ajuda de custo de R$ 4.377,73 passou a dar margem a contracheques superiores ao teto constitucional do funcionalismo (que passou de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil), sendo livre de Imposto de Renda (IR). Quem ganhava não precisava comprovar gastos, podendo usar o dinheiro como se fosse parte do salário. A seguir, confira um resumo sobre a origem do benefício e a controvérsia em torno dele:
Origem do auxílio-moradia
- O pagamento do auxílio-moradia a magistrados está previsto desde 1979 na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
- O artigo 65 especifica quais verbas "poderão ser outorgadas" aos magistrados, além dos vencimentos. Entre elas, está a "ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado".
- Em 1993, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (MP) previu o pagamento da verba aos membros do MP, nos mesmos moldes.
Aplicação inicial
- O pagamento não foi regulamentado de imediato, e cada Estado passou a aplicar a norma de forma diferente.
- Em nove Estados (incluindo RS), o auxílio não era pago a magistrados até 2014. Nos demais, o pagamento ocorria, sem padronização. No caso do MP, até 2014 a verba era paga em 12 Estados.
- As disparidades deram margem a questionamentos no STF.
Ações no STF
- Em 2013, juízes federais recorreram ao STF para ter direito à ajuda. Na sequência, a associação da categoria entrou na mesma ação.
- Em 2014, o ministro Luiz Fux concedeu liminar autorizando o pagamento aos juízes federais, exceto nos casos com residência oficial.
-Outras entidades de classe recorreram ao STF, e Fux estendeu o auxílio a magistrados da Justiça Militar e do Trabalho e dos nove Estados que ainda não pagavam.
Os argumentos de Fux
- O ministro concluiu que o auxílio é uma verba indenizatória prevista na Loman, compatível com o regime de subsídios, reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e assegurada aos ministros do STF.
- Além disso, afirmou que membros do Ministério Público Federal e "inúmeros juízes e promotores" já recebiam o valor e que era necessário respeitar a "simetria" entre as carreiras.
A regulamentação do auxílio
- Em 2014, o pagamento foi regulamentado pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
- Não seria pago nos seguintes casos: para inativos, profissionais com residência oficial à disposição (ainda que não usada), licenciados (e afastados, no caso do MP) e profissionais cujos cônjuges já recebiam.
- Os textos não proibiram o pagamento para quem tivesse imóvel próprio e não exigiram comprovação de gastos com moradia.
- O valor não poderia exceder o fixado para os ministros do STF: R$ 4.377,73.
O julgamento do mérito e o acordo final
- Em dezembro de 2017, o ministro Fux liberou as ações que questionavam o pagamento a juízes federais para análise no plenário do STF.
- Acabou não ocorrendo e, só em novembro de 2018, depois que o presidente Michel Temer sancionou aumento de 16,38% para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Fux decidiu determinar a suspensão do pagamento.
O impacto
- Como os salários dos ministros do Supremo definem o teto salarial do funcionalismo público, o impacto do aumento de 16,38% para os cofres da União deverá ficar em R$ 1,4 bilhão no próximo ano.
- Na prática, o gasto será 8,88 vezes maior do que com o auxílio-moradia.
- Com o "efeito cascata", o custo da medida deverá superar R$ 4 bilhões no próximo ano, considerando Estados e municípios, de acordo com cálculos das Consultorias da Câmara e do Senado. Apenas no Rio Grande do Sul, o aumento nas contas será de R$ 225,6 milhões.
Cinco pontos controversos
Entenda por que o auxílio-moradia era considerado polêmico:
1) Generalização — Com as liminares e a regulamentação, o pagamento da verba indenizatória se generalizou, e isso, hoje, é motivo de polêmica. Como a maioria dos Estados não tem residências oficiais e a norma não impede o repasse a profissionais com casa própria, a maior parte dos magistrados, promotores e procuradores passou a receber. O mesmo começou a valer para conselheiros de Tribunais de Contas.
2) Duplicidade em xeque — Decisões judiciais têm autorizado a duplicidade de pagamento a casais de magistrados, apesar da limitação prevista na regulamentação. Um dos casos divulgados envolve o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processo da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Ele e a mulher, também juíza, contestaram a resolução do CNJ na Justiça e obtiveram liminar, em 2015. Desde lá, ambos recebem o auxílio-moradia.
3) Compensação salarial — Na prática, o auxílio virou compensação salarial frente ao congelamento dos subsídios, o que ocorre à revelia do que manda a Constituição. Nesse caso, contudo, críticos avaliam que deveria haver incidência de Imposto de Renda sobre o valor pago. Isso não ocorre por se tratar de verba classificada oficialmente como "indenizatória". Por lei, o imposto incide apenas sobre verbas "remuneratórias".
4) Salários acima do teto — Por ser verba indenizatória (e não salário), o auxílio-moradia não entra no cálculo que limita o teto de magistrados, promotores e procuradores, definido pelo subsídio dos ministros do STF. Isso também vale para outras vantagens. Na prática, há remunerações acima do teto, mas o estouro não é considerado ilegal.
5) Legalidade x moralidade — Associações que representam magistrados consideram o benefício legal, não veem imoralidade e afirmam que a categoria é alvo de "campanha difamatória" pela atuação no combate à corrupção. Mas isso não é consensual. Muitos magistrados que abriram mão afirmam que fizeram isso por questões éticas e morais.
Por que o subsídio não acabou com os penduricalhos?
A remuneração por subsídios foi estabelecida por emenda constitucional em 1998 para padronizar os vencimentos, cujo teto seria definido pelo valor pago aos ministros do STF. Em 2006, o CNJ definiu quais vantagens seriam extintas e incorporadas aos subsídios (adicionais por tempo de serviço, por exemplo) e quais continuariam sendo pagas. Permaneceram as verbas previstas na Constituição e as de caráter indenizatório (como o auxílio-moradia, as diárias, etc.). No RS, o sistema foi adotado em 2009 e seguiu as normas, mas duas verbas passaram a ser pagas apenas posteriormente: o auxílio-moradia, em 2014, devido à liminar de Fux, e o auxílio-alimentação, em 2015 (retroativo a 2011), devido a uma resolução do CNJ.