Responsável por devassar esquemas espúrios incrustados do poder público nacional, a Operação Lava-Jato irá influenciar de formas distintas as eleições de outubro. Se, por um lado, ofereceu subsídios à proibição das doações privadas a partidos e candidatos, por outro, levou deputados federais e senadores a criarem mecanismos para facilitar a renovação de seus mandatos.
Mudanças na legislação eleitoral, que reduziram o período de campanha, levaram partidos historicamente rivais a propor alianças pragmáticas, mirando o aumento do tempo no horário eleitoral gratuito e a futura partilha de cargos, sem preocupação com o passado recente de envolvimento em irregularidades.
O namoro à distância entre siglas que pretendem protagonizar a corrida presidencial foi intensificado nas últimas semanas. A sexta-feira (20) marcou o início das convenções partidárias, que irão definir o xadrez eleitoral. Até o momento, as legendas mais disputadas tem histórico de filiados investigados, e até condenados, em escândalos como a Lava-Jato e o mensalão.
O grupo do centrão, formado por PP, DEM, Solidariedade, PRB e PR é o mais assediado. Com disposição para coligações flexíveis e quase três minutos de espaço eleitoral na TV, receberam acenos das mais variadas matizes ideológicas. Apesar de integrantes do bloco se reunirem com outros candidatos, após intensificarem negociações com Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), a balança pendeu para o lado tucano.
— Fechar com esses partidos é um constrangimento muito grande, mas não é um impeditivo. Agora, se as coligações estão demorando para sair, é menos pela Lava-Jato, e muito mais por um terreno obscuro — analisa o cientista político e professor do Insper Carlos Melo.
Na opinião de Melo, o fraco desempenho de Alckmin nas pesquisas eleitorais, com dificuldades em alcançar dois dígitos nas intenções de voto, trava as negociações. No entanto, a afinidade política faz com que ele seja o preferido do centrão.
O tucano já atraiu o PTB, liderado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), delator e condenado no mensalão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele também é investigado por fraudes no Ministério do Trabalho, pasta comandada por seu partido até o início de julho. Outro que compõe a aliança é o PSD, presidido por Gilberto Kassab, investigado por recebimento de propina e caixa dois das empreiteiras Odebrecht e Galvão Engenharia.
Se as coligações estão demorando para sair, é menos pela Lava-Jato, e muito mais por um terreno obscuro
CARLOS MELO
Cientista político do Insper
Na briga pelo centrão, que ainda não formalizou sua escolha, Ciro levaria alguma vantagem por ser mais conhecido no Nordeste, por manter a esperança de herdar o espólio político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por estar ligeiramente à frente de Alckmin nos levantamentos eleitorais. Mas o discurso do pedetista é dissonante ao do grupo em temas como a reforma trabalhista e o tamanho do Estado.
Equilíbrio pós-eleições também é preocupação
Outra questão que retarda as coligações está ligado ao futuro após da disputa nas urnas. Em caso de vitória, pode haver dificuldade para acomodar todos os aliados do mesmo lado do balcão. A estratégia para formar maioria na Câmara e no Senado passa pela distribuição de cargos, incluindo o controle de ministérios e estatais. Mas a diversidade de visões políticas aumenta a possibilidade de atritos que, se mal administrados, poderão implicar em paralisação do governo.
Isso teria ocorrido no início do governo Lula, de acordo com as investigações da Lava-Jato. O motivo para trancamento da pauta do Congresso teria sido forma de pressão dos integrantes da base aliada até nomeação de Paulo Roberto Costa, indicado do PP, para uma diretoria da Petrobras. Anos mais tarde, por meio da força-tarefa do MPF, ele acabaria condenado por corrupção na estatal.
— É preciso fazer as alianças para ganhar. Você só não pode achar que, para manter um governo em pé, precisa se submeter a acordos, conchavos e divisões de poder — relata um interlocutor de uma das candidaturas majoritárias.
Enquanto encontros entre partidos para adequar propostas visando as coligações são amplamente divulgadas, nos bastidores, as negociações apontam para a barganha de espaço. O PR, por exemplo, ficou balançado em indicar o senador Magno Malta (ES) como vice do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) na disputa pela Presidência, embora tenha deixado a porta entreaberta para o PT, de quem compôs a base aliada nos governos Lula e Dilma Rousseff e está de mãos dadas em campanhas estaduais, como na Bahia. A negociação atual do PR com Alckmin ou Ciro também envolverá a indicação de um vice — Josué Gomes (MG), filho do ex-vice-presidente José Alencar, é o escolhido.
Na visão de analistas, o cenário mais flexível de coligações e costura política foi potencializado pela minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso em outubro do ano passado. Como forma de driblar a falta do generoso financiamento privado das campanhas, proibido pela Justiça, um fundo público eleitoral de R$ 1,7 bilhão foi criado. Somado ao fundo partidário, os candidatos terão R$ 2,58 bilhões para se promoverem.
— A reforma política deu muito poder aos caciques das siglas. Por estarem no Congresso, menos visível do que o Executivo, buscam alternativas de autopreservação — analisa o consultor sênior da Transparência Internacional, entidade que atua contra corrupção, Fabiano Angélico.
Caciques atolados em escândalos
No centrão, caciques influentes também são alvos da Lava-Jato e de outras operações. O principal articulador e presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), recebeu agentes da Polícia Federal (PF) no gabinete e em seu apartamento funcional, em Brasília, em abril. A investigação apura suposta obstrução da Justiça. Presidente do DEM até março, o senador José Agripino Maia (RN) é réu em ação que apura corrupção na construção da Arena das Dunas, estádio de futebol em Natal.
O presidente do Solidariedade, deputado federal Paulinho da Força (SP), teve o gabinete revistado por medida judicial que autorizou busca e apreensão em apuração sobre irregularidades no Ministério do Trabalho, referente a concessões de registros sindicais, no mês de maio. Presidente do PRB, Marcos Pereira é investigado por suspeita de ter recebido vantagens indevidas da empreiteira Odebrecht. Tido como o dono do PR, o ex-deputado Valdemar Costa Neto foi condenado no mensalão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Para o cientista político e professor da PUC-Rio, Ricardo Ismael, as coligações pragmáticas fazem parte das táticas eleitorais no jogo político, mas também podem trazer desvantagens:
— Candidatos terão de responder por alianças com gente ligada à corrupção, mas parecem dispostos a pagar o preço. Acham que ganham mais do que perdem.
O resultado dessa conta depende do eleitor.
Oferta de alianças pelo Planalto
Com a promessa de "refundação da República", o senador Alvaro Dias mantém contato com partidos de menor representatividade no Congresso. Negociações estão em andamento com Pros, Avante, PRTB, PRP, Patriota e PTC.
Há conversas com o PSC, apesar da sigla ter confirmado na sexta-feira que terá candidato ao Planalto. A fatia de Dias na TV será de 12 segundos, mas, se conseguir efetivar as negociações com as sete siglas, terá quase dois minutos.
Depois de perder a preferência do centrão – que deverá anunciar apoio a Alckmin –, Ciro Gomes volta a apostar em partidos de esquerda. Oficializado como o candidato trabalhista ao Planalto em convenção na sexta-feira, em Brasília, o ex-governador do Ceará tentará sair do isolamento voltando as energias ao PSB, sem se descuidar do PT e do PC do B.
Sozinho, Ciro possui cerca de 30 segundos. Caso consiga fechar com o PSB, poderá chegar a cerca de 1min20s.
O candidato tucano deverá abocanhar a maior fatia do tempo de TV. Até o momento, teve a adesão formalizada por PTB e PSD. O centrão, formado por PP, DEM, Solidariedade, PRB e PR, deve oficializar a entrada na coligação nos próximos dias. Partidos menores, como o PV, também devem fechar parceria.
A expectativa é de que o ex-governador de São Paulo garanta mais de cinco minutos no horário eleitoral e um número maior de inserções durante a programação normal das emissoras.
Assumindo postura diversa de eleições presidenciais anteriores, o PSOL se aproximou do PT na defesa da liberdade ao ex-presidente Lula. Ainda assim, lançou o nome do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, para a corrida ao Planalto.
A vice será a liderança indígena Sonia Guajajara, também do PSOL. A sigla está coligada com o PCB e terá 13 segundos de tempo de TV.
Herdando o fardo de defender o impopular governo Temer, Henrique Meirelles não empolgou os partidos da base aliada do Planalto. Siglas que participam do primeiro escalão do Executivo se aproximam, em especial, de Alckmin. Sem sucesso, o posto de vice foi oferecido ao empresário Flavio Rocha (PRB).
O presidente da sigla, Romero Jucá, disse que o MDB está preparado para "sair sozinho" na eleição. Isolado, Meirelles poderá contar com 1min26s.
Após o recuo no "noivado" com o senador Magno Malta (PR-ES), que recusou a vaga de vice, Jair Bolsonaro tenta fugir do isolamento. Nos últimos dias, o general Augusto Heleno chegou a ser cotado, mas seu partido, o PRP, negou aproximação com o capitão da reserva. Com isso, o PSL deverá alçar voo solo.
A advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do parecer que deu base ao impeachment de Dilma Rousseff, deverá compor a chapa. Bolsonaro terá cerca de 10 segundos no horário eleitoral.
Preso há mais de três meses em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue como a principal alternativa do PT na disputa presidencial. Condenado em 2ª instância, estaria inelegível de acordo com a Lei da Ficha Limpa, o que não o proíbe de solicitar o registro de candidatura. Fernando Haddad e Jaques Wagner poderão substituí-lo na cabeça de chapa, caso seja impedido de concorrer.
A sigla busca aproximação com o PC do B e chegou a ensaiar namoro com o PR. Sozinho, o PT tem 1min35s.
O PC do B, que tem 17 segundos de tempo de TV, mantém a intenção de alçar voo solo na eleição deste ano, concorrendo sem estar ao lado do PT, o que não ocorreu em nenhum pleito após a redemocratização, em 1989.
A deputada estadual Manuela D'Ávila é sondada para ocupar o posto de vice na chapa petista, que terá o ex-presidente Lula ou outro indicado pelo partido como líder. O PDT também quer o apoio da sigla.
Terceira colocada nas eleições de 2014, com mais de 22 milhões de votos, Marina Silva enfrenta dificuldades para se aproximar de grandes partidos. Com baixa representatividade no Congresso, tem apenas três cadeiras, a Rede Sustentabilidade negocia com siglas de menor estatura, embora ainda não tenha fechado com nenhuma.
Neste momento, conversas são mantidas com PHS, PPS, Pros e PMN. O tempo de TV da Rede é de 12 segundos.
Apesar de admitir conversas iniciais com outras legendas, o Novo irá disputar a Presidência sem coligações. João Amoêdo, que terá menos de 10 segundos na TV, não irá utilizar os fundos partidário e eleitoral em sua campanha. A vaga de vice na chapa deverá ser ocupada pelo cientista político Christian Lohbauer.
Na lanterna
O deputado constituinte José Maria Eymael (PSDC) irá concorrer pela quinta vez ao Planalto. Também estão fardados para a disputa João Vicente Goulart (PPL) e Vera Lúcia (PSTU).
Devem desistir
Aliança em torno do Podemos, do senador Alvaro Dias, poderá levar à desistência das candidaturas de Paulo Rabelo de Castro (PSC), Levy Fidelix (PRTB) e Cabo Daciolo (Patriota). Valéria Monteiro (PMN) e Fernando Collor (PTC) querem concorrer, mas não receberam aval das siglas. Afif Domingos (PSD) se lançou, mas a legenda abriu apoio a Alckmin.
Ficaram pelo caminho
Desistiram antes do início das convenções o apresentador Luciano Huck (sem partido), o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa (PSB), o empresário Flavio Rocha (PRB), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), o ex-presidente da Casa Aldo Rebelo (SD), o senador Cristovam Buarque (PPS) e o apresentador Dr. Rey (PRB).