A chuva que atinge o Rio Grande do Sul desde o fim de abril já provocou a morte de ao menos 39 pessoas na Serra. O número pode aumentar nos próximos dias, conforme as equipes de buscas avançarem para mais pontos atingidos.
Idosa centenária morreu durante resgate
Em fevereiro deste ano, a família de Catharina Rizzardo Bellé se reunia na Linha Buratti, em Bento Gonçalves, para celebrar os 100 anos da matriarca. Considerada o elo que mantinha a união entre todos, mesmo acamada por causa do Alzheimer e talvez sem saber que estava completando um século de vida, recebeu os aplausos e beijos carinhosos daqueles que carregam consigo o amor por ela. Cerca de três meses depois, na última quarta-feira (1º), o local daquela comemoração ficou totalmente ilhado por dois deslizamentos de terra, causados pela chuva que atinge o Rio Grande do Sul.
A família ilhada, sem poder sair por nenhum lado, esperou pela chegada de equipes de resgate, que acessaram a localidade por trilha na sexta-feira (3). Catharina, com dificuldade para se locomover sozinha, precisou ser carregada pelos bombeiros e, durante o trajeto entre os escombros, empalideceu. Quando conseguiram chegar em uma casa, os socorristas fizeram o que puderam para reanimar a idosa, mas, no quarto daquela residência que foi ponto de refúgio da família resgatada, ela se despediu.
— O bombeiro estava abatido e falou: "é assim que os santos morrem". A gente não sabe dizer em que momento ela morreu. Foi uma morte santa e tranquila. Minha nona era uma pessoa muito boa, calma, tranquila. Viveu a vida com muita simplicidade, buscava sempre na oração, na reza do terço, nas novenas e na santa missa a força para aguentar o que acontecesse na vida dela. Sempre caprichosa, nos ensinou a fazer tudo bem feito, com dedicação e amor. Ela viveu uma vida muito boa, com o simples e bem vivido. Vejo a vida dela como um conselho para nós jovens, que vivemos na correria, com agenda cheia. Ela viveu no simples, não em uma riqueza abundante, mas soube viver bem — emociona-se a neta Jéssica Bellé.
Antes do diagnóstico do alzheimer, Catharina, determinada a fazer o que precisasse ser feito para cuidar da família, trabalhava na colônia, tirava o leite das vacas e fazia queijos caseiros acompanhados do melhor tipo de pão, feitos também por ela. Religiosa, era participativa dos eventos da igreja, rezava o terço com toda a família e incentivava para que todos seguissem no caminho da fé e da oração.
— Ela fazia tudo com cuidado, tudo bem feito. Quando nós íamos ajudar, ela queria que fosse feito bem feito. Sempre foi muito cuidadosa com a família, nunca deixava ninguém ficar brigado, a nossa família se dar bem é um presente que a nona nos deixou. A vida da nona foi uma vida que eu gostaria de viver. O legado que ela deixa é o de saber amar as pessoas, ser uma mulher forte, com vontade de ajudar quem precisasse e acolher a todos — conclui a neta.
Catharina Rizzardo Bellé, aos 100 anos, foi uma das mais de 30 vítimas da chuva que atingiu a Serra. São 70 anos de diferença entre a centenária e a fotógrafa Carolina Silveira Lopes, 30 anos, que morreu em um deslizamento de terra que aconteceu em Veranópolis, próximo à Ponte dos Arcos, também naquele dia 1º de maio. O local é, até o momento, o maior desmoronamento de terra registrado na região da Serra.
Fotógrafa tentava voltar para casa
A palavra "alegria" poderia ter sido sinônimo do nome Carolina Silveira Lopes. Com uma forma extrovertida e comunicativa de se relacionar com as pessoas, não passava despercebida quando chegava em algum lugar desconhecido, assim como quando se reunia com as pessoas que amava. Foi com alegria que se dedicou ao longo dos anos em aprimorar as habilidades como fotógrafa, profissão que a fazia se sentir realizada enquanto eternizava momentos especiais. Era para um desses momentos que Carolina estava indo quando ficou ilhada na Serra no dia 1º de maio, quando deslizamentos de terra atingiram a BR-470, entre Bento Gonçalves e Veranópolis.
Na tentativa de retornar para Porto Alegre, onde morava com o marido e a filha de 5 anos, Carolina parou no Restaurante e Pousada Colao, na cabeceira da Ponte Ernesto Dornelles, e, enquanto se abrigava da chuva que não cessava, acabou atingida por um dos maiores desmoronamentos da região.
— A Carol era uma pessoa totalmente comunicativa, falava com todo mundo. Eu dizia que ela era a parte social do casal, porque ela sempre conversava com todo mundo, era totalmente extrovertida. Ela era aquela pessoa amável, que chegava em qualquer lugar e todo mundo percebia porque ela era alegre, expansiva, fazia piada com tudo. A Carol marcava os lugares por onde passava, todos os grupos de amigos, era uma personalidade forte e transmitia isso em tudo e para todos — conta o esposo Robson Pedruzzi.
Foi em busca da alegria de Carolina que uma mobilização de amigos e familiares da fotógrafa começou assim que souberam dos deslizamentos na região. Entre informações certas e erradas, a notícia de que ela não voltaria para casa chegou e precisou ser contada para uma pequena pessoa que carregava e continuará carregando ao longo da vida todo o amor que havia naquele coração alegre.
— Eu nunca pensei que a conversa mais difícil da minha vida seria com uma criança de 5 anos. Falei com uma amiga psicóloga, ela me orientou a montar um cenário, com brinquedos que são especiais para ela, com musiquinha que realmente ela gosta. Preparei tudo, deixei ela tomar café e conversei com ela. Somos católicos, falei que a mamãe agora está com Santa Terezinha para elas brincarem e usei a esperança do céu. Ela chorou e eu também chorei. A primeira pergunta que ela me fez foi "e a apresentação no Dia das Mães, papai?". Expliquei que eu e a vovó iríamos e que a mamãe ia olhar lá em cima, que estaria no céu olhando. Ela chorou e depois, enquanto eu e minha sogra ainda chorávamos, ela foi na geladeira, como a mamãe fazia, pegou duas garrafas de água, tomou um pouquinho, entregou uma para minha sogra e foi fazer um cartaz para a mamãe — relata Pedruzzi.
Foi com a esperança do céu que uma rede de apoio entre amigos e familiares, como os pais, irmão, esposo e filha de Carolina se formou, para que cada um que foi contagiado pela alegria, possa aprender a se fortalecer durante o luto. E para a pequena de 5 anos, essa mesma rede vai lembrá-la dos penteados que a mamãe fazia, assim como as palavras que usava para educar e se declarar à filha.
Religioso viajava para Santa Catarina
O deslizamento que atingiu o Restaurante e Pousada Colao também vitimou o religioso Dirceu Milani, 63 anos. O homem morava em Garibaldi, cidade onde nasceu, e não tinha ligação com a Igreja Católica Apostólica Romana, mas atuava com o pai, Darcy Milani, na igreja que eles mesmos fundaram, chamada Igreja Católica Apostólica Conservadora Não Romana.
Na manhã daquele dia 1º de maio, o religioso estava com o motorista Adailton Gadelha (frei da igreja) e o padre Maurício Costa, viajando em direção a São Domingos, cidade do oeste de Santa Catarina. Milani encontraria os pais e celebraria uma romaria no dia 4. Com o bloqueio da estrada, os três desceram do carro em que estavam e foram até o restaurante em busca de abrigo. Momentos depois de descerem, os três foram atingidos pelo desmoronamento.
— Milani foi resgatado com vida (dos escombros), mas algumas horas depois ele faleceu. Nos contaram que ele dizia estar com falta de ar e dor ao respirar, acreditamos que tenha tido os pulmões perfurados. O frei Adailton, que era o motorista, quebrou a clavícula, mas ainda conseguiu ajudar a resgatar algumas pessoas. O padre Maurício quebrou a perna e depois de ser resgatado passou por cirurgia, precisou retirar o baço, mas também sobreviveu — relata Dom Lucas, da Igreja Católica Apostólica no Brasil, que também não tem ligação com a Igreja Católica Apostólica Romana, que conhecia Milani há mais de 10 anos.
Descrito como homem cativante e inteligente, Dirceu Milani se dedicava como bispo na igreja que fundou com o pai e celebrava missas na Serra gaúcha e em cidades de Santa Catarina e do Paraná. Além disso, colaborava com a faculdade que fundou em Belém, no Pará, chamada Pan Americana.
— Tinha uma fé inabalável e uma oratória impecável. Estava construindo um mosteiro em Garibaldi, terra natal dele e de Dom Darcy, seu pai. Este é um momento triste e doloroso para todos os que o conheciam — lamenta Dom Lucas.
Outras vítimas da Serra
Andrigo Oliveira de Ávila e Paloma Mello da Silva
Andrigo, 24 anos, e Paloma, 25, voltavam do trabalho quando foram soterrados por um deslizamento de terra ocorrido em Linha Carolina Alta, no município de Boa Vista do Sul, na Serra, no dia 1° de maio. O casal chegava em casa quando houve a queda de barreira. Os filhos deles, de quatro e cinco anos, estavam em casa com a avó, a cerca de 500 metros do ponto onde eles foram soterrados. Os dois trabalhavam em uma granja no município.
Artemio Cobalchini e Ivonete Cobalchini
Artemio, 72 anos, e Ivonete, 62, foram encontrados mortos no fim da manhã do dia 3 de maio, na propriedade da família, na localidade de Linha Alcântara, interior de Bento Gonçalves.
Eles tinham uma tenda de produtos coloniais às margens da RS-431. A filha deles, Natália Cobalchini, 27, segue desaparecida. A outra filha do casal foi às pressas à Serra quando soube que os pais estavam ilhados na localidade. Na chegada, soube do desaparecimento e confirmou a morte no final da manhã.
Mateus Pereira e Rodrigo Luis Pereira
Morreram em um deslizamento de terra que atingiu casas no distrito Galópolis, no interior de Caxias do Sul, em 2 de maio. Mateus Pereira tinha 15 anos e Rodrigo, 41.
Inpidio Capra
A morte de Inpidio, 55, foi confirmada no dia 1° de maio. Ele foi encontrado morto na Avenida Vinte e Cinco de Julho, em Serafina Corrêa.
Elisa Bucco Tomasi e Rodrigo Cagol
Elisa, 22 anos, e Rodrigo, 35, morreram em um deslizamento de terra próximo à Ponte dos Arcos, na BR-470, em Veranópolis, na Serra, ocorrido no dia 1° de maio. A jovem era aluna do curso de Pedagogia no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Eles moravam em Bento Gonçalves.
José Adair Oliveira e Wagner Oliveira
José Adair Oliveira, 47 anos, foi encontrado morto no dia 2 de maio após um deslizamento de terra às margens da RS-112, em São Vendelino, no dia 30 de abril. O corpo do filho dele, Wagner Oliveira, 22, foi localizado em 3 de maio.
José Alzemiro de Moraes e Marina de Brito de Moraes
José Alzemiro, conhecido como Mirinho, e Marina foram encontrados em meio aos escombros por moradores e familiares, que estavam fazendo as buscas. O caso aconteceu na localidade de Rancho Grande, na zona rural de Canela.
Juan Falcon Barrios
Juan, 31 anos, morreu soterrado na casa onde morava, no bairro Alto Paraíso, em Serafina Corrêa. O corpo dele foi localizado em 2 de maio. Juan era paraguaio.
Kaíque Andriel Ludvig Santos, Nitiele Ludvig e Silvio Antônio Pellicioli
Kaíque, 13 anos, a mãe dele, Nitiele, 36, e o padrasto do adolescente, Silvio, 47, morreram soterrados no dia 2 de maio, em Gramado, na Serra gaúcha.
Leandro Fortes Carvalho
Leandro, 52 anos, teve a morte confirmada no dia 2 de maio, quando foi encontrado soterrado dentro de casa, no bairro Galópolis, em Caxias do Sul. Apesar de residir na Serra, Carvalho era natural de Santa Maria.
Luiz Carlos Schutkovski
Luiz Carlos, 71 anos, morreu na cidade de Bento Gonçalves, na Serra, após o deslizamento da casa onde vivia, em Vale Aurora. Momentos antes da ocorrência, a esposa dele saiu do quarto para atender uma ligação do filho. A residência foi atingida pela terra nesse momento.
Mateus Tansini
O corpo de Mateus, 55 anos, foi encontrado no dia 6 de maio, em Linha Alcântara, interior de Bento Gonçalves. Ele estava na casa de Artemio Cobalchini, 72, e Ivonete Cobalchini, 62, que também morreram por conta de um deslizamento que atingiu a casa onde o grupo estava.
Matilde Veronica Zimmermann, Rudimar Branchine e Jocemar Zimmermann Branchine
A família foi vítima de um deslizamento de terra na casa onde morava em Linha Pedras Brancas, interior de Gramado. Matilde, 47 anos, e Rudimar, 62, foram localizados no fim da tarde de 3 de maio. Jocemar, 16 anos, foi encontrado no dia seguinte. O casal tinha cinco filhos. Matilde era camareira em uma pousada no município e Rudimar era vigia no mesmo estabelecimento.
Noeli da Rosa Duarte
Noeli, 56 anos, moradora da Linha Quilombo, em Gramado, morreu em um deslizamento no município, no dia 2 de maio.
Romualdo Franco
Romualdo, 72, morreu em um deslizamento de terra em São Valentim do Sul. Ele estava em casa com o irmão quando houve o deslizamento. O irmão conseguiu fugir e se abrigar na casa de vizinhos, mas Franco acabou ficando preso entre os escombros.
Vítimas da Serra, conforme a Defesa Civil
Bento Gonçalves
- Alice Estivalet Santos
- Anilton de Oliveira Santos
- Avelino Marchiori
- Eva Marchiori
Caxias do Sul
- Denise Pacheco
- Luciano Henrique Santos Lacava
- Luiz Odilon Rosa
- Maria do Carmo de Souza
- Uma pessoa sem identificação
Veranópolis
- Luiz Dutra