Tão tradicional quanto a Festa Nacional da Uva, o Recreio da Juventude, fundado em 1912, foi cenário para a primeiríssima edição do evento, em 1931 – quando a “festa” resumiu-se a uma exposição de uvas com duração de apenas dois dias.
O chamado embrião da Festa da Uva teve início na manhã de 8 de março de 1931, um domingo, no salão principal da antiga sede do RJ (posterior prédio do Círculo Operário Caxiense, na esquina das ruas Sinimbu e Visconde de Pelotas).
Foi lá, que penduradas em armações de madeira e estendidas sobre as mesas, as uvas foram oficialmente apresentadas ao público. Conforme o jornalista Luiz Carlos Erbes, autor do livro Festa da Uva - A Alma de um Povo (2012), junto a cada variedade, havia folhas de papel com nomes que os viticultores já tinham ouvido falar algumas vezes, mas com os quais não estavam familiarizados:
“Escritas a mão, de forma legível, palavras como Seibel, Concord, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Moscatel Italiano, Moscato Espanhol, Dolcetto e Trebbiano designavam as variedades viníferas e as castas europeias que a exposição tentava divulgar. No alto da mesma folha aparecia, em letras tipográficas, o nome do evento: Festa da Uva”.
A abertura deu-se logo após a missa dominical matutina na Catedral, a uma quadra dali. Conforme descrito no livro, o idealizador Joaquim Pedro Lisboa recebeu o então prefeito da cidade, Miguel Muratore, e diversas outras autoridades. Também conferiu, ainda mais satisfeito, a chegada de produtores de uva dos distritos caxienses. Consta no texto:
“Provenientes de diversas localidades, eles lotaram o salão principal do clube e se deslumbraram com as novas variedades viníferas que estavam sendo desenvolvidas pela Estação Experimental de Viticultura e Enologia e que já tinham sido adotadas pela Granja Santo Antônio, dos Irmãos Maristas de Garibaldi, e por alguns produtores, como o caxiense Ludovico Cavinato”.
Na foto que abre a matéria, vemos o prefeito Miguel Muratore (1871-1938), acompanhado da esposa Pasqualina e da filha Juecy, visitando a exposição de uvas, em 8 de março de 1931, na antiga sede do Recreio da Juventude (depois adquirido pelo Círculo Operário, foto abaixo).
No detalhe abaixo, as uvas desenvolvidas pela Estação Experimental de Viticultura e Enologia e sua respectiva identificação.
Um dia a mais
O intenso vaivém de pessoas pelo Recreio da Juventude naquele 8 de março de 1931 obrigou Joaquim Pedro Lisboa e os demais integrantes da comissão organizadora – Arthur Rech, Antenor Antero Bizarro, Alfredo Gomes Falcão e Mário Fontana – a estender o evento por mais um dia.
Assim, a segunda-feira 9 de março serviu para alavancar o objetivo principal da exposição: convencer os agricultores a trocar a variedade Isabel, plantada em toda Serra Gaúcha, por uvas mais nobres, de origem europeia, que garantiriam um vinho melhor.
Tudo isso começaria a ocorrer a partir de 1932, quando surgiram dois dos principais símbolos da festa: os pavilhões erguidos na Praça Dante Alighieri e o desfile de carros alegóricos pela Av. Júlio de Castilhos – a figura da rainha só chegaria em 1933, com a eleição da pioneira Adélia Eberle.
Melhoramento da produção
Conforme descrito por Luiz Carlos Erbes no livro Festa da Uva – A Alma de um Povo, tentar melhorar a qualidade do vinho foi a principal razão para Joaquim Pedro Lisboa, um coletor estadual de impostos e membro do Instituto do Vinho, batalhar pela organização de uma exposição.
Porém, colocar um vinho delicioso na mesa do consumidor não era meta exclusiva dele. Celeste Gobbato, diretor da Estação Experimental de Viticultura e Enologia, e os governos municipal e estadual tinham a mesma preocupação: quebrar a teimosia dos viticultores que insistiam em plantar a variedade Isabel devido às resistências às pragas e à boa adaptação desta casta de uva ao clima da região.
A saber: Gobbato exprimiu seu desejo no próprio discurso de abertura da exposição de 1931: “Esta festa, como todas aquelas que visam à glorificação do trabalho, contribuirá, sem dúvida, para o melhoramento da produção de uva”.
Por que a sede do Recreio da Juventude?
Conforme o jornalista e pesquisador Charles Tonet, “Celeste Gobbato, um dos principais entusiastas da festa, era um apaixonado juventudista, assim como o próprio Miguel Muratore, intendente municipal à época. Foi então que articularam para que a sede do clube fosse cedida para a realização da exposição”.