Seguimos hoje com a abordagem sobre os primórdios da Rádio Gaúcha, no início da década de 1930. Episódio lembrado em dezenas de entrevistas, livros e estudos acadêmicos sobre a história do rádio no Rio Grande do Sul, a transmissão da Festa da Uva de 1932 pela emissora ocorreu utilizando-se as precárias linhas da então Companhia Telefônica Riograndense.
Apesar da ousadia da “primeira transmissão a longa distância da Rádio Gaúcha”, tudo foi um grande improviso - conforme destacado em 2003 por Adriana Ruschel Duval, neta do radialista e comunicador Nilo Ruschel, um dos protagonistas da empreitada de 90 anos atrás:
“Nilo e (o irmão) Ernani (Ruschel) rumaram em direção à Festa da Uva, em Caxias do Sul. Lá estariam sendo esperados por dois ou três agenciadores de publicidade do local, com cujas verbas viabilizariam a irradiação pioneira. Os irmãos chegaram na cidade e encontraram os supostos agenciadores sob o efeito do vinho abundante, sem nenhum patrocínio, muito menos os textos publicitários prontos”.
O próprio Nilo deu detalhes na entrevista de 1972, três anos antes de falecer, em 1975:
“Tivemos que correr o comércio, rapidamente, para ao menos conseguir três ou quatro anunciantes que dessem, assim, um pouco de apoio àquela iniciativa arrojada. E com a demora do interventor (o interventor federal José Antônio Flores da Cunha), que teria que inaugurar a exposição, ficamos nós dois no palanque oficial, falando para a massa, que pela primeira vez enfrentava um microfone, via aquela coisa estranha de dois camaradas diante de um aparelho para falar. Tinham alto-falantes ligados, e nós ficamos duas horas falando sobre já nem sei mais o quê, não sei que assunto nós pudemos desenrolar naquele espaço demoradissimo, porque os minutos custavam por demais a passar, e não tínhamos material de leitura na mão. Era tudo improvisação, porque os textos, tão esperados, os patrocinadores, com seus programas redigidos, nada disso apareceu”.
Surge o pavilhão da praça
Depois da pioneira exposição de uvas de 1931, a festa do ano seguinte buscou evidenciar a relevância e o desenvolvimento do setor vitivinícola da região. Para tanto, optou-se pela construção de um grande pavilhão dupla na Praça Dante Alighieri - uma das estruturas destacava os expositores de uvas, vinhos e sucos; a outra, a exposição agroindustrial, abrigando estandes de empresas de Serra e expositores de Porto Alegre.
Foi ali que, em 28 de fevereiro de 1932, o general José Antônio Flores da Cunha (interventor federal que governava o Rio Grande do Sul) abriu oficialmente a segunda edição da Festa da Uva - após os “malabarismos” dos locutores da Rádio Gaúcha para driblar o atraso da comitiva.
A “Parada da Uva”
O corso alegórico ao redor da Praça Dante Alighieri também teve início na segunda edição, em 1932, com as comunidades do interior exibindo-se em 32 carroças puxadas por juntas de bois. A chamada Parada da Uva vinha da Rua Alfredo Chaves, entrava na Júlio e dirigia-se até a praça.
Conforme destacado pelo autor Luiz Carlos Erbes, os veículos “estavam ornamentados com uvas, ramos de videiras e barris de vinho. Um dos carros que se destacou foi o do distrito de Galópolis, que mostrava as fases do cultivo da uva, a colheita e a produção de vinho”. Abaixo, outro destaque: o carro alegórico da lendária Granja Modelo, de Ludovico Cavinato.
A festa por Olmiro Azevedo
Para a professora e pesquisadora Cleodes Piazza, a edição de 1932 é considerada “extraordinária e importante por engendrar o formato da Festa da Uva:
“O significado é definido a partir de 1932. Acho que quem melhor expressa esse projeto coletivo é o próprio encarregado de fazer o convite, Olmiro Azevedo, que diz: ‘Vinde ver o que somos e o que valemos’. A frase expressa a identidade do povo da região. A festa acaba conferindo a identidade construída, pleiteada e, ao fim, aceita e reconhecida pelo restante dos brasileiros”. (trecho reproduzido do livro Festa da Uva - A Alma de um Povo, de Luiz Carlos Erbes).