Em tempos de cards eletrônicos e dezenas de outras mídias para divulgação, eles perderam um pouco a relevância. Porém, com o passar do anos, transformaram-se em objetos de culto, guardados como relíquias por colecionadores e designers gráficos. Falamos dos antigos cartazes da Festa Nacional da Uva – em especial os produzidos entre as décadas de 1950 e 1970.
Às vésperas da edição 2022, recordamos da peça que divulgou a festa de 50 anos atrás. Em 1972, o cartaz foi uma criação do ilustrador e diretor de arte da MPM Propaganda Joaquim da Fonseca, então com 36 anos. Aos 87, ele recordou de vários detalhes daquele processo.
— O cartaz resultou de um serviço encomendado à MPM Propaganda, onde eu trabalhava na ocasião. Não houve concurso, mas um atendimento da agência à Comissão Organizadora da Festa da Uva. Lembro-me que a motivação do cartaz foi a produção de algo que divulgasse o evento e comunicasse o espírito da festa, marcando os significados tradicionais e culturais da região. Usei a figura de uma garota típica da região, jovem, bonita, alegre, cabelos escuros e vestida com traje típico, com as cores da bandeira italiana. Enfim, procurei fazer um cartaz que as pessoas pudessem guardar como uma recordação da festa. Não houve um modelo real para a inspiração da figura, apenas usei os conceitos mais convencionais do que eu considerava uma “gringuinha” típica da região — conta.
Uso de rolhas
O cartaz foi confeccionado todo manual e artesanalmente, explica Fonseca:
— A arte final foi produzida na técnica de tintas guache coloridas e colagens, incluindo papel recortado e pedaços de papel rendado (usados para ornamentar bolos e tortas). As uvas do cestinho foram feitas com tinta guache “carimbadas” com rolhas. Os textos foram compostos manualmente com Letraset, um sistema de composição tipográfica feito por aplicação adesiva. Usei a fonte Futura para os textos. Esses textos eram montados em separado, depois fotografados com filmes fotolito (em alto contraste) e ampliados ou reduzidos para os tamanhos requeridos na arte final — completa.
Outros detalhes
Os recursos da época também eram bem diferentes dos de hoje, demandando uma série de etapas.
— Para complementar a produção do cartaz, o procedimento era fotografar o original aprovado em uma câmara de fotolitos (isso era feito pela gráfica que imprimia os cartazes, ou pela empresa especializada em produzir os fotolitos). Era feito um fotolito para cada cor da impressão final, o que era denominado seleção de cores (isso era obtido através de filtros especiais que selecionavam as cores): um fotolito para o ciano (uma tonalidade de azul), outro para o amarelo, outro para o magenta (uma tonalidade de vermelho) e outro para o preto, as quatro cores que resultavam numa reprodução fiel do original colorido. Esses fotolitos da seleção eram filmes em alto contraste todos preto e branco. A cor era dada pela máquina impressora na hora de imprimir os cartazes, que eram impressos por sobreposição de uma cor de cada vez. Era um processo demorado e de alto custo, hoje realizado com rapidez e a custo menor pelos computadores. Vejo que o cartaz teve diversas tiragens, pois a tipografia do cartaz que possuo (provavelmente impresso em Porto Alegre) está diferente do cartaz que você tem aí, que foi impresso em Caxias do Sul.
Curiosidade
A criação de Joaquim da Fonseca também foi “adaptada” para um anúncio da antiga Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) naquele ano, com a taça de vinho substituída pelo telefone (detalhe abaixo).
A empresa destacava a novidade: “Estamos ligando agora a moderna Central Automática de Caxias, por Discagem Direta à Distância (DDD), a todo o Brasil”.
Curso de Arquitetura em Bento Gonçalves
Natural de Alegrete, Joaquim da Fonseca ingressou no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1954, como aluno do curso de Artes Plásticas. Cerca de 20 anos depois, em 1975, retornou à instituição, agora como docente do Departamento de Comunicação.
Já nos anos 1980, estudou Design de Comunicação Visual nos Estados Unidos e ilustrou os textos da badalada coleção "Traçando", em parceria com o autor Luis Fernando Veríssimo. A série, mesclando crônicas e desenhos da dupla, iniciou com Paris e seguiu com ilustrações de Nova York, Roma, Madri, Japão, Porto Alegre e Buenos Aires.
Professor aposentado da UFRGS desde 1998, Fonseca reside atualmente no Centro Histórico de Porto Alegre, após períodos em Brasília, entre 2009 e 2016, e Bento Gonçalves, em 2017. Foi na cidade serrana, aliás, que o artista ingressou no curso de Arquitetura e Urbanismo da UCS – retomando o sonho da juventude, quando postergou a opção, mergulhou nas artes visuais e consagrou-se como um dos maiores desenhistas e aquarelistas do Brasil.
— Atualmente, concentro minhas atividades no curso de Arquitetura da PUC-RS e na produção de aquarelas. Tenho várias exposições programadas para este ano, tendo como temas as paisagens urbana e rural da nossa região — antecipa.
Sobre a festa de 1972?
— Tenho um exemplar do cartaz, que conservo com carinho. Só agora me dou conta que ele já tem 50 anos...
Por fim, o designer revela outra proximidade com a Serra Gaúcha:
— Tenho uma relação de afeto com o Pioneiro, de Caxias do Sul. Pouco antes do jornal ter sido adquirido pela RBS (em 1993), fiz uma atualização do design visual do jornal, com o apadrinhamento dos jornalistas Iotti, o cartunista, e Cancian, então editor-chefe.
Outros autores
Até meados dos anos 1990, os cartazes da Festa da Uva eram elaborados por artistas plásticos, ilustradores, designers, funcionários do Serviço Estadual de Turismo, historiadores e arquitetos - alguns por meio de concurso, outros por definição da comissão organizadora. Posteriormente, ficaram basicamente a cargo de agências de publicidade. Confira alguns:
1950: Jorge Leitão
1958: Darwin Gazzana
1961: Carlos Alberto Petrucci (Setur)
1965: Charles Mayer (desenhista do Setur)
1969: Paulo Bertussi e João Alberto Marchioro
1972: Joaquim da Fonseca
1984: Geraldo Motolla
1986: Valdir dos Santos
1989: Juventino Dal Bó
1994: Rita Brugger
Acervo
Os cartazes originais da Festa da Uva integram o acervo do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Vários deles (16) também compõem a coleção mantida no Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS.
Eles foram doados à Universidade pelo ex-presidente da Festa da Uva, Mário David Vanin, a partir de uma coleção iniciada pelo sogro, Isaac Menegotto, caxiense que contribuiu com o evento por mais de 30 anos, produzindo carros alegóricos e integrando a comissão organizadora dos desfiles até 1984.