Para quem nasceu após 1990, a expressão “não caiu a ficha” não costuma fazer muito sentido. Mas quem viveu o auge dos orelhões, nas décadas de 1970 e 1980, sabe bem do que estamos falando. Isso porque, muito antes dos cartões, os telefones públicos funcionavam com fichas. Completada a ligação, ela caía dentro do aparelho. A associação com a demora da pessoa em entender algo foi imediata: “não entendeu ou entendeu com atraso? Não caiu a ficha”.
Embora obsoletos e sem o protagonismo de décadas atrás, não há quem não recorde daquelas clássicas estruturas em fibra de vidro – que por aqui chegaram a ganhar até o inusitado formato de um cacho de uva. O primeiro “orelhão” de Caxias foi instalado na antiga Praça Rui Barbosa (Dante Alighieri) em 1973, logo na sequência da colocação no Centro de Porto Alegre.
A “novidade” foi destacada no Jornal de Caxias de 7 de abril de 1973, que anunciava: “Orelhão está ouvindo o que os caxienses falam”. Confira o texto original:
“A Companhia Riograndense de Telecomunicações instalou, na Praça Rui Barbosa, na parte fronteira com a Av. Júlio de Castilhos, próximo à Estátua da Liberdade, um telefone público, o primeiro da cidade. O telefone está resguardado pela estrutura denominada “orelhão”, do mesmo tipo de telefones públicos instalados em São Paulo e Porto Alegre. Outros pontos da cidade receberão idêntico melhoramento”.
Amanheceu surdo
A “alegria”, porém, durou pouco. Quatro meses depois, notícia publicada no mesmo jornal destacava: “Orelhão foi depredado”. Consta no texto original da edição de 14 de abril de 1973:
“O telefone público instalado pela CRT na Praça Rui Barbosa durou pouco. Em dia desta semana, o “orelhão” amanheceu surdo. Alguém, por brincadeira de mau gosto ou por condenável espírito de destruição, arrancou o fone do aparelho e levou-o embora. Prejuízos para a CRT e para a população.”
Repercussão
O episódio rendeu um comentário do jornalista Guiomar Chies, em sua coluna Pelotaço, no Pioneiro de 14 de abril de 1973: “Quem encontrar alguém com um fone pendurado na orelha, pode avisar que deve ser aquele desaparecido do orelhão”. Chies também noticiou, em 2 de junho de 1973, que o aparelho já havia ganhado até um “apelido”: “Soube que apelidaram o orelhão ali da praça de “menina-moça”. Não registro aqui o motivo porque a censura me manda pro brejo”.
Na sequência do aparelho da praça, mais dois orelhões foram instalados na cidade, em agosto de 1973. Desta vez na Av. Júlio, em frente ao Hospital Pompéia, e na Praça João Pessoa, ao lado do antigo Cine Real, em São Pelegrino.
O fim
Passadas mais de três décadas, a sobrevida dos “orelhões” em plena era digital e telefonia móvel foi destacada em uma matéria do Pioneiro de 16 de agosto de 2019. Conforme a reportagem, de outubro de 2018 a agosto de 2019, houve uma redução de mais de 1,4 mil telefones públicos em Caxias do Sul. Entre os sobreviventes do Centro, a maioria dos “orelhões” estava depredada e sem condições de uso. Fim de uma era...
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