Compartilhamos hoje a mais recente postagem do perfil do Facebook Vivendo São Pelegrino, mantido pela professora Suzana Postali Fantinel. Moradora do bairro “desde sempre”, Suzana “amarra” uma incrível história mesclando os 120 anos do Colégio São José, o bordado feito por uma aluna em 1906 e a trajetória de uma avó, uma mãe e uma filha. Tudo entrelaçado à sua própria trajetória, conforme vemos nos tópicos a seguir, delimitados por três gerações das famílias Prezzi, Andreazza e Postali.
Primeira geração - Anos 1900
“Era o ano de 1906, quando a então jovem Maria Prezzi bordava com variados pontos os símbolos cristãos, ditos “Virtudes Teologais”, sobre um retângulo de veludo de cor preta. Eram eles uma cruz representando a fé; a âncora da esperança e o coração como a forma do amor ou da caridade. Imbuída destes sentimentos, Maria estava feliz e orgulhosa em ter sido matriculada no conceituado Colégio São José, que recém abrira suas portas em Caxias. Após concluir o ensino fundamental e levando seu pano bordado, a jovem resolveu seguir a vocação ali despertada e prosseguir seus estudos em Garibaldi e Montenegro, onde poderia realizar-se como religiosa e professora, sempre junto à mesma instituição. Mas, entre idas e vindas, seu caminho cruzou com o do jovem Abel Postali, e o noviciado foi substituído pela vida matrimonial. Ao casarem, passaram a residir em São Martinho da Segunda Légua, onde o esposo iniciava sua vida de empreendedor. Dona Maria Prezzi Postali, como professora, lecionava na localidade em que residia, pela manhã. À tarde, prosseguia adiante, para São Virgílio e São Luís, levando seus livros sobre o lombo de um cavalo. Essa trajetória prosseguiu até que as condições financeiras do casal trouxeram a família, então composta de oito filhos, para uma ampla residência situada na Av. Rio Branco, em Caxias. Da decoração constava um quadro bordado em veludo preto.
Após concurso, nomeada pelo Estado, ela completou seu tempo de magistério numa escola situada onde hoje está a Igreja da Imaculada Conceição, dos Capuchinhos, com uma matrícula de mais de 100 alunos, contando com o auxílio da filha, também professora formada, dona Flora Postali Rizzardi. Destes tempos cumpre destacar que, na própria residência, dona Maria preparava jovens do interior das colônias para serem professoras, enquanto o esposo Abel preparava os jovens com as básicas técnicas odontológicas, para seguirem a profissão de Dentistas Práticos Licenciados, após exames em instituições de Porto Alegre. Assim fizeram seus filhos Aparício e Adauto, primos e outros, que tornaram-se competentes profissionais, como consta no livro História de Caxias do Sul (Educação, 1877-1967), de João Spadari Adami".
Segunda geração – Anos 1920
Naquelas madrugadas, fossem escuras e frias do inverno, ou claras e quentes do verão, os irmãos Pedro, Guerino, Riquelmo, Étore e Alfredo, e as irmãs Rozalina, Inês, Guilhermina e Zélia - filhos e filhas do cantineiro José e de dona Luiza Andreazza - eram acordados muito cedo e conclamados a irem estudar nos colégios situados no centro de Caxias.
Deixando o casarão da esquina do Arrabalde de Santa Catarina, e atravessando a ponte de pedra de dois arcos, sobre as águas do riacho Tega, seguiam adiante, seja provocando estalos ao pisotearem a geada acumulada na estrada de chão, ou obrigando a desviarem do caminho, transformado em lamaçal, pelas rodas das carretas e dos cavalos, e adentrar pelos potreiros de outros proprietários, para conseguir chegar a tempo no colégio. Antes, porém, era necessário tirar e lavar os calçados e colocá-los para secar. No Colégio São José, além das disciplinas básicas, como Português, Matemática, Geografia, História e Ciências, as meninas aprendiam as artes domésticas, como bordado, costura, pintura e canto coral. Por ser uma escola de Congregação Cristã, a catequese era essencial, pois preparava os alunos para a Primeira Eucaristia. Assim também era com os meninos do Colégio do Carmo.
Então, no dia da Comunhão, a família vinha de charrete até a Catedral de Santa Teresa, onde dois irmãos por vez recebiam a hóstia consagrada, vestidos a rigor, entre flores, cantos e velas. A entrada e a saída eram acompanhadas pelos sons da Banda Santa Cecília, dando solenidade ao cortejo.
Após a parte religiosa, os jovens e suas famílias dirigiam-se a um café próximo, onde além dos bolos e biscoitos, quebravam o jejum obrigatório e a expectativa prosseguia com a ida a um dos estúdios fotográficos, Geremia ou Calegari, para a clássica foto ajoelhados no banquinho, ou de pé, com a vela, ou o terço nas mãos, e o livrinho com capa de madrepérola. Somente depois do evento imortalizado, as famílias regressavam para suas casas, onde era preparado um almoço especial para os padrinhos e parentes. Algumas destas clássicas fotos permanecem emolduradas em nossas casas, como saudosa memória.
Terceira geração - Anos 1950
“Era uma casa muito engraçada...tinha uma escada, mas não tinha sacada...todos podiam nela entrar... porque nela a gente ia estudar...” Antes, sua nobre presença, no largo de São Pelegrino, tendo ao lado uma pracinha, fora a residência do prefeito Miguel Muratore, sua esposa Maria Alberti e seus seis filhos.
O sobrado, ao tornar-se disponível, foi adquirido pela Congregação Missionária das Irmãs Scalabrinianas, que ali fundaram o Colégio São Carlos, em 1936. As atividades escolares iniciavam-se com o chamado jardim da infância, prosseguindo com o ensino fundamental, depois ginasial, o comercial e, tempos depois, o normal.
Assim, nos anos 50, alunas Carlistas, voltadas para o curso do magistério, optaram por prosseguir seus estudos no Colégio São José, situado no centro de Caxias. Então, colegas desde a infância, Mari Casara e eu subíamos caminhando pela Sinimbu, para chegamos aos portões, como já haviam feito minha avó Maria e minha mãe Guilhermina. Até então estávamos familiarizadas com as Irmãs Carlistas - Natália, Romilda, Clarência, Rosália, Judite, Eunice - e agora fomos apresentadas a Madre Luiza Antonieta, Martha, Clair, professores leigos como dona Sueli Bascu, Nestor Gollo, Pe. Victorino Sanson e outros, além de 42 novas colegas. E entre elas, as duas Maria de Lourdes, a Maria da Glória, a Irene, a Marisa, a Dione, as irmãs Marlem e Cerlem Cardoso, e a Lerinha e a Clari Basso, a Loiva, a Luri, a Marlene e até a prima Dirce, nomes registrados na memória nas páginas da revista interna “Prossigamos”, e nas fotos da formatura. Naqueles três anos, participamos da política estudantil, através da presidência do Grêmio Estudantil, com reuniões com representantes da UCES, Décio Bombassaro, o músico Telmo Locatelli, colegas da diretoria como a Marília Viana, professores, alunas e as falas da Tânia Mendes. Participamos, inclusive, do 11° Congresso da UGES, em Porto Alegre, em 1957, com colegas do Cristovão de Mendoza, como Mansueto Serafini. Acreditem: ganhamos a viagem de trem! Outro envolvimento, agora espiritual, foi a fundação do Apostolado da Oração, integrado por todas as alunas do magistério. O gran finale destes tempos de estudante do São José foi o passeio que fizemos para São Paulo e Rio de Janeiro, de ônibus, com o motorista Evaldo, em julho de 1958, comemorando a formatura. Destas vivências brotaram novas amizades, que se mantiveram pelos anos, seja por afinidades, parentescos ou atividades profissionais e voluntárias, atingindo e até ultrapassando o tempo de três gerações.
O quadro bordado
Filha mais nova de dona Maria Prezzi Postali, dona Dorvalina herdou o quadro bordado pela mãe e com ele permaneceu até sua despedida neste 2021 que finda, aos 97 anos. Suzana detalha o fim, ou melhor, a perenidade dessa história:
“Eis então que a neta Ana Karina resgata o quadro e pensa em oferecer ao Colégio São José, lembrando os 120 anos de sua existência em Caxias do Sul. Compartilhando este gesto, a direção, através da diretora Irmã Renata, recebeu o quadro do bordado, 115 anos depois, em 18 de novembro, através do neto César e da neta Suzana, prometendo colocá-lo em lugar de destaque, para ser lembrado pelos anos que virão”.
Genealogia
Suzana Postali Fantinel é neta de Abel Postali e Maria Prezzi Postali e filha de Guilhermina Andreazza e Aparício Postali. Maria Prezzi Postali nomeia uma rua no bairro Kaiser.