Depois de acostumar a torcida não apenas a disputar, mas também brigar pela conquista de grandes competições nos últimos anos, o Grêmio viverá outra realidade em 2022. Se há quatro anos, em dezembro, enfrentava o Real Madrid na decisão do Mundial de Clubes, o Tricolor sabe agora que no calendário da próxima temporada terá confrontos com adversários como Novorizontino, Sampaio Corrêa, Tombense, CRB e os também gigantes brasileiros em crise — Cruzeiro e Vasco — na Série B.
As sequelas do terceiro rebaixamento da história do clube vão além do sentimento de tristeza que tomou conta da Arena e se espalhou por gremistas ao redor do mundo com a confirmação da queda, na última rodada, depois de habitar o Z-4 por seis meses. A Segunda Divisão colocará para o Grêmio a necessidade de readequação.
Será preciso uma engenharia financeira para adaptar o clube às perdas de receitas. Com menos dinheiro, o departamento de futebol precisará demonstrar conhecimento e inteligência de mercado para reformular o elenco, além da necessidade de definir um modelo de jogo, com Vagner Mancini ou um novo treinador, adequado para voltar à elite do futebol brasileiro em 2023.
Por mais que a Batalha dos Aflitos tenha ficado marcada como um dos capítulos de maior heroísmo da história do clube, a imensa torcida gremista espera que o retorno à Série A seja mais tranquilo em 2022.
REUNIFICAÇÃO POLÍTICA
Para voltar à Série A, o Grêmio precisará mais do que nunca de união política. Esta é a receita apresentada por um dos dirigentes que, em 2005, vivenciou de perto o calvário tricolor até a Batalha dos Aflitos.
— Em razão do estatuto de 2004, não tínhamos mais a figura do vice-presidente de futebol, só o diretor de futebol remunerado, que foi o Mário Sérgio. Mas isso não estava apresentando resultados. Foi quando o presidente (Paulo) Odone deu um passo atrás, reviu esta questão e nos convidou para compor o departamento de futebol. Quando assumi, pessoas de diversos segmentos do clube foram prestigiar minha posse — recorda Renato Moreira, que ocupou o cargo de diretor de futebol ao lado de Paulo Pelaipe durante a campanha da Série B.
Desta vez, pesa em favor de Romildo Bolzan Jr. o fato de existir um ambiente menos bélico do que o de 16 anos atrás. Porém, nos últimos meses, o dirigente conviveu com um cenário diferente daquela quase unanimidade que o conduziu por aclamação a um terceiro mandato.
— O clube vive um momento democrático de amplo debate e, mais do que nunca, eu sou muito discutido, muito questionado e criticado. A gente aceita, mata no peito e faz uma autocrítica e temos que fazer cada vez mais — declarou Romildo após a vitória de 4 a 3 sobre o Atlético-MG, insuficiente para evitar a queda.
A primeira reaproximação deverá ocorrer entre os movimentos políticos que compõem a atual gestão. Apesar de defendê-los, argumentando que o Conselho de Administração tem participado dos debates internos, Romildo se viu cercado de apenas dois dos seis membros da chapa eleita em 2019 (Paulo Luz e César Augusto Peixoto) de forma presencial, ao seu lado em viagens e durante a entrevista coletiva, concedida após a última rodada.
— Às vezes, é preciso um gesto que, de fato, aproxime todos os movimentos políticos do clube. É mais uma simbologia do que propriamente uma convocação, como o presidente Romildo fez do Conselho Consultivo neste ano. Ninguém vai deixar de ser gremista porque o clube foi rebaixado. Já passamos por isso outras vezes e vamos torcer para subir de novo, mas precisa de um gesto de humildade da direção em reconhecer os seus erros — argumenta Moreira.
ARRECADAÇÃO MENOR
Conforme revelou o presidente Romildo, o Grêmio sabe que terá de cortar gastos. Inclusive, o Conselho de Administração já se reuniu na última segunda-feira para debater uma reestruturação orçamentária. E a principal causa está na menor arrecadação que o clube terá a partir de janeiro.
— As receitas de TV vão cair muito. De uns R$ 80 ou 100 milhões anuais para R$ 15 ou 20 milhões, que é a parte do pay-per-view, totalmente variável. Digo esses valores com base no que arrecadaram Vasco, Botafogo e Cruzeiro (que disputaram a Série B em 2021). As outras receitas tendem a cair um pouco, mas não dá para estimar quanto com precisão em relação a sócios e marketing. A bilheteria não vai para o clube (pertence à Arena), mas é usada na manutenção do estádio, que não tem a operação formalmente com o Grêmio, mas que não pode ser abandonada — analisa Rodrigo Capelo, jornalista do Grupo Globo especializado em negócios do esporte.
Outro ponto de atenção diz respeito às premiações vindas de competições. Em 2021, o clube arrecadou mais de R$ 36 milhões por ter disputado as etapas preliminares da Libertadores, a fase de grupos e as oitavas de final da Copa Sul-Americana, e ter chegado até as quartas de final da Copa do Brasil. Essa quantia poderia ter sido ainda maior caso o time não tivesse acabado na zona de rebaixamento.
— Vamos ter de fazer uma enorme adaptação. Teremos reflexo logo em seguida, a começar pela ausência de premiação que já tivemos, porque a 16ª colocação é a última posição remunerada (o Grêmio terminou em 17º lugar) — afirmou Romildo.
Em 2022, além de não disputar torneios continentais, o clube não receberá bonificação proveniente do Brasileirão, já que a Série B prevê como único benefício a classificação para uma fase avançada da Copa do Brasil do ano seguinte.
— Isso vai impactar em tudo, na folha (salarial), na repactuação dos contratos, na reorganização das nossas contas, em negociações de acordos judiciais e tudo mais. Mas o conceito permanece o mesmo: nossa capacidade é X e nossa receita é X. Estas coisas têm que estar no limite do equilíbrio. Temos que ter maior capacidade de acertos, montar um time correto, aproveitar o que temos aqui e trazer mais algumas peças para nos organizar — concluiu o presidente tricolor.
REFORMULAÇÃO DO ELENCO E PERFIL DE REFORÇOS
Mesmo antes da confirmação da queda para Série B, a direção do Grêmio já planejava uma grande mudança no grupo de jogadores para 2022 em razão da péssima campanha no Brasileirão. Com o rebaixamento, essa reformulação precisará atender às necessidades da Segunda Divisão, que apresentado diferentes desafios em relação ao que os clubes costumam enfrentar na Série A.
Além de reduzir a folha salarial pela metade — a atual gira em torno de R$ 14 milhões —, o Tricolor precisará encontrar atletas adequados à competição. Vice de futebol gremista na campanha do título de 2005 e também com trabalhos no Criciúma e no Coritiba na Série B, Paulo Pelaipe ressalta sobre a montagem de um elenco com perfil para disputar a Segunda Divisão.
— A maior folha salarial da Série B deste ano foi do Vasco, mas não contratou jogadores adequados para a competição. A Série B tem uma série de dificuldades, como logísticas, viagens, as estruturas dos estádios. Os estádios melhoraram em relação a 2005, mas ainda não são como na Séria A. O time precisa ser competitivo, ter muita capacidade para o enfrentamento físico. É preciso procurar o jogador bom, mas que jogue e tenha vontade, que queira e tenha fome para jogar a competição. Cruzeiro vai para o terceiro ano na Série B, o Vasco para o segundo. Quando uma equipe grande como Cruzeiro e Vasco não consegue retornar é pelas escolhas na preparação e na formação do grupo de atletas — observa o profissional.
Companheiro de Paulo Pelaipe no departamento futebol do Grêmio em 2005, Renato Moreira ressalta que o clube deve buscar atletas que estejam em busca de ascensão na carreira:
— Precisa ser formado um grupo que se identifique com o clube, com jogadores que queiram vencer e não figurões acomodados, que é o que vimos acontecer há, pelo menos, dois anos. Devemos ter mais atletas em fase de crescimento e comprometidos, que saibam jogar a Segunda Divisão, com um espírito mais aguerrido. Temos de evitar contratações de jogadores que vêm aqui se aposentar, com situações que beiram o deboche, como a do Douglas Costa, que queria casar às vésperas do jogo em que o Grêmio foi rebaixado.
O Grêmio iniciou as dispensas antes mesmo do término do Brasileirão com o adiantamento de férias para sete jogadores. Daquele grupo, apenas os laterais Leonardo Gomes e Guilherme Guedes podem ser aproveitados em 2022. Titulares em boa parte da campanha do Brasileirão, os laterais Rafinha e Cortez e o centroavante Diego Souza têm contratos encerrando no final deste ano e não devem permanecer. Douglas Costa tem sua permanência na Arena praticamente insustentável.
DEFINIÇÃO DO TREINADOR E MODELO DE JOGO
Entre os tantos erros que levaram o Grêmio para a Série B pela terceira vez em sua história está as tantas trocas de treinadores. O Tricolor teve quatro técnicos na temporada, cada um com uma maneira diferente de montar seus times. Para 2022, o sucesso do planejamento dependerá da escolha do técnico, seja ela a permanência de Vagner Mancini ou a busca por um novo profissional, e da sustentação desse trabalho em caso de oscilações no campo. Esse treinador terá também o desafio de pôr em prática um modelo de jogo adequado para a Série B. Campeão da Segunda Divisão pelo Coritiba em 2007, o técnico Renê Simões ressalta que a competição exigirá que o Grêmio monte um time com uma maior capacidade física.
— Imaginei fazer um jogo quando cheguei ao Coritiba, o jogo que eu gostava, mas na Série B o jogo era outro jogo. A Série B é um futebol para ganhar, não é para encher os olhos. Dá para jogar um futebol com conceito moderno de ocupação de espaços. O Botafogo do Enderson Moreira fez isso, e arrancada veio com um time que buscava e atacava os espaços tanto pelos lados quanto na profundidade. O Grêmio precisará ter essa pegada típica do futebol do Sul e uma saída rápida quando tiver a bola. Será preciso atacar os lados e a profundidade com velocidade. É necessário ter jogadores com essa característica — observa.
Com contrato até o final de 2022, o técnico Vagner Mancini manifestou após a confirmação do rebaixamento o seu desejo de permanecer no Grêmio. O treinador tem o aval de Dênis Abrahão, que foi convidado por Romildo Bolzan Jr. para permanecer no comando do departamento futebol e pediu até segunda-feira para dar a resposta.
— O Grêmio está mostrando que está evoluindo. Isso é trabalho do Vagner Mancini. O raciocínio de que o Mancini só não permanece caso o presidente não queira está correto. É da minha vontade que o Mancini permaneça — reiterou Dênis.
Com o desejo de permanecer, Mancini até falou após o rebaixamento sobre sua ideia de elenco para a Série B.
— Eu vejo a montagem de elenco tem de ser de uma forma muito equilibrada, jogadores jovens com mais experientes, mais acostumados à divisão. Atletas de meia idade, que formem o grosso, que estejam acostumados às viagens longas, dentro da sua estrutura vai pesar. Você passa por um processo diferente, tem uma série de coisas que interferem na montagem do elenco, mas também do planejamento anual — projetou.