Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta sexta-feira (8), confira a história de Altair Guedes, morador do Asilo Padre Cacique e que todo dia vai espiar como está o Beira-Rio.
Com a calma de quem viu muito nessa vida, Altair Guedes cuida de uma gaiola cheia de periquitos com dedicação, embora prefira o canto dos canários belgas. A tranquilidade se reflete quando o assunto é o Inter, mesmo ao falar dos tempos bicudos do clube. Apesar dos 78 anos de vida e de ter visto e revisto muito da história colorada, não precisa cavoucar nos baús da memória para relatar o seu momento mais marcante como torcedor.
Não fez nem quatro meses que o Inter goleou o Santos por 7 a 1. Apesar do placar elástico, não é este o motivo que torna o jogo inesquecível. Ao começar a contar a história, Altair faz um movimento ágil para tirar o telefone do bolso para mostrar fotos e vídeos.
— Entrei com os jogadores. Foi inesquecível. Achei que nem ia aparecer porque sou pequenininho. Entrei com o Pedro Henrique e a filha dele, ele ainda estava na fase boa. Sou um privilegiado — relata.
A honra foi conferida em ação realizada pelo Inter com o Asilo Padre Cacique, onde Altair mora há quatro anos. O que parecia tão longe na época em que era guri em São Borja ficou sob seus pés. Estava no gramado do Beira-Rio, seu vizinho nesses tempos mais recentes.
Trata-se de um caso de duplo coloradismo. Na sua terra natal, torcia pelo Inter local — depois fundido com o Cruzeiro para a criação do São Borja. Em 1964, chegou a Porto Alegre para acompanhar de perto os maiores feitos do Inter da Capital.
À noite, seu passatempo favorito constitui-se em sair do seu quarto no fundo do prédio histórico do asilo e perambular pelos corredores até a porta de entrada. Ali, do outro lado da Padre Cacique, o Beira-Rio iluminado o hipnotiza.
— Quando o Valencia foi contratado, fizeram com as cores da bandeira do Equador, e elas ficavam trocando de posição. Foi lindo. É impressionante. Não tem um estádio que fique tão bonito quanto o Beira-Rio — sentencia, enquanto recorre outra vez ao telefone para mostrar a foto tirada por naquele dia.
O show de iluminação vindo do estádio não é a única luz que o deixou mesmerizado nessa linga estrada da vida. Outro brilho que atraiu sua atenção foi o do sol, com aquele raio isolado que iluminou a cabeçada de Figueroa no primeiro título brasileiro, em 1975.
— Foi um raio divino. Fiquei marcado com aquilo — ressalta. — Adoro ser vizinho do Beira-Rio. Sempre saio na porta para vê-lo. As pessoas vendendo camisetas. Todos os dias dou uma espiada — complementa.
As idas ao Beira-Rio passaram a ser mais esparsas. Diferente da rotina do adulto jovem que não perdia uma partida. Hoje, sua presença no estádio que tanto frequentou são nas ações realizadas pelo Inter, como no jogo contra o Santos. O que não diminui sua devoção.
— Não perdia jogos. Mas começou a ficar violento e fui largando. Mas não perco, acompanho pelo rádio, pela TV — assegura.
Com a experiência de quem já viu muito, ele, animado, se despediu com um pressentimento:
—Esse ano vai dar bom.