Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta quinta-feira (18), confira a história de Elton Wegmann, torcedor que tem comércio há 40 anos nos arredores do Estádio dos Plátanos, do Santa Cruz.
Foi um domingo histórico. Era 21 de outubro de 1984. Elton Wegmann era um adolescente que morava há pouco tempo em Santa Cruz do Sul. Naquela manhã, os cerca de 6 mil torcedores que foram aos Plátanos ver o Santa Cruz enfrentar o Inter enxugaram durante o “esquenta” o estoque de bebidas do restaurante do seu pai. Não sobraram água, refrigerante e cerveja para contar a história. E que história teve aquele jogo. O Galo venceu o Inter, com jogadores como Winck, Mauro Galvão e Rubén Paz, por 2 a 1, encerrando uma invencibilidade colorada de mais de 30 jogos.
Elton sabe os detalhes daquela manhã de cor e salteado, com escalações e autores dos gols. Mesmo que o jogo fosse a meia quadra do empreendimento da família, não pôde entrar nos Plátanos. Para saciar a sede e a fome de colorados e torcedores do Galo, ajudou os pais no balcão do estabelecimento. Fazia cerca de um ano que tinham deixado Sinimbu — as cidades estão separadas por 30 km — para empreender nos arredores do estádio.
São 40 anos sendo mais do que testemunha. São quatro décadas como cúmplice dos feitos do clube. A proximidade física também estreitou outras relações. O restaurante de Elton, 57 anos, firmou parceria com o Galo e serve almoços para os jogadores. Centenas dos homens que vestiram a camisa alvinegra se alimentaram com a comida do restaurante.
— Nunca tinha colocado o pé no Estádio dos Plátanos antes de vir para cá. Desde que chegamos aqui, criei afinidade. Aquele jogo contra o Inter tive de ouvir pelo radinho — conta, antes de emendar a escalação daquele time.
Os negócios se expandiram. Além do restaurante, a família gere um mercado, ambos homônimos do clube do qual são vizinhos. Do restaurante e mercados geridos por Elton, é possível enxergar os refletores do estádio. Nos dias de jogos, quando não consegue estar presente, distingue os acontecimentos da partida pelos ruídos vindos das arquibancadas.
Nos primeiros anos, entre as mesas havia uma de sinuca. Depois dos treinos, os jogadores trocavam as chuteiras pelos chinelos, almoçavam e munidos de tacos se divertiam. Entre os mais conhecidos estavam o ex-goleiro do Grêmio Eduardo Hauser e Cuca, hoje um técnico vitorioso.
— Os jogadores eram nossos fregueses diários. Sou amigo de vários. O Cuca adorava jogar snooker. Ele jogava, toma refri e comia um pastelzinho — relembra Elton.
O comerciante é daqueles que gosta de um centroavante típico, trombador, homem de área. Lamenta que a região não produza mais jogadores da posição na abundância de outros tempos como na época de Valduíno, autor de um dos gols sobre o Inter.
Nos tempos atuais teve um camisa 9 em alta conta com Elton. Guilherme Wegmann, seu filho, teve seus momentos de glória. O mais lembrado são os dois no 2 a 0 sobre o Gaúcho, de Passo Fundo, em partida pela Segundona gaúcha.
— Ele jogou na época ruim, pegou o time na Terceirona e na Segundona. Foi muito bem, mas parou na pandemia e depois se machucou — relata o pai orgulhoso.
Guilherme, 29 anos, começa a tomar conta dos negócios da família. Será a terceira geração ligada ao Santa Cruz. Se, hoje, ele vê naturalidade de ver os jogadores entrarem no mercado para comprar mantimentos, a visão era outra nos tempos de criança.
— No começo eu ficava deslumbrado. Vinham os jogadores comprar pão aqui. Ia no estádio e entrava de mão dada com eles no gramado. Depois comecei a treinar e fui para a base. Me sinto realizado por ter sido jogador do clube — resume.
Quem sabe, neste Gauchão, ele e o pai não revivam aquele 21 de outubro de 1984 e vejam o Santa Cruz conquistar uma vitória épica e os torcedores sequem o seu estoque de bebidas.