Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta sexta-feira (12), confira a história de Yuri Velasque, torcedor do Caxias que tem uma visão panorâmica do Estádio Centenário.
Febril e sem nada parar no estômago, Yuri Velasque se arrastou para o andar de cima da casa do avô. Afinal, era dia de Caxias. O ritual de subir e sentar no telhado de zinco em dias de jogos foi mantido apesar do corpo debilitado. Vendo o neto em apuros intestinais e o time atarantado em campo, vô Jorge preparou uma torrada para o neto, que filou o sanduíche. Pediu um segundo, veio terceiro e o quarto. O alimento acalentava os ânimos do guri e o da equipe grená que jogava do outro lado da rua, a ponto de virar o placar.
Se passaram anos daquela cena, Yuri, 27 anos, sabe que achar que sua melhora estava ligada com o time naquela tarde não passa de uma memória afetiva, mas por muito tempo acreditou que aquelas torradas recheadas do carinho do avô alimentaram seu corpo e o espírito dos jogadores grená. São quarenta anos que a família mora na região, com vista panorâmica para o Centenário. Um camarote na própria casa. Foi ali que o consultor de negócios aprendeu o que é o futebol. O que é ser grená.
— A primeira vez que fui ao estádio foi com uns cinco anos, com um irmão do meu avô. Quando eu não podia ir, via o jogo daqui. É muito massa. O Centenário é o meu quintal. Faço churrasco com o Centenário de fundo. Isso é para poucos. Chego a me arrepiar enquanto falo — exalta.
O bairro Euzebio Beltrão de Queiroz tem casas amontoadas uma ao lado da outra. Não há espaço para a criançada ter um campinho para bater bola. Aí surge uma das vantagens de ser vizinho de um estádio. Yuri aprendeu a ser um zagueiro voluntarioso no CT do Caxias, onde ele e seus amigos disputavam suas peladas. Logo desenvolveu os macetes da posição e entrou nas categorias de base do clube. O campo das divisões inferiores tinha tudo, menos grama. Seu pai lhe disse que ali não era lugar para ele jogar.
O jeito foi bater na porta do rival Juventude. A experiência durou pouco tempo. O coração falou muito mais alto. Ou era para usar a camisa grená ou não era para usar nenhuma outra.
— Em 2005 joguei na base, mas o campo era de cascalho. Fui jogar no Juventude, mas logo saí. Não era pra mim. Não me sentia bem. Sou grená. Me sentia mal no Jaconi — justifica.
A "arquibancada" montada na parede da casa pelo vô Jorge tem duas funções. Uma é servir de assento para ver as partidas — o primeiro deles é do patriarca. Ali ninguém coloca o bumbum. A outra é servir como apoio para acessar a extensão das arquibancadas para quem vem por dentro da residência. Há também uma escada externa para se chegar no telhado. Hoje, é raro ver Yuri por ali. Ele prefere ir para o campo.
O espaço foi muito utilizado por ele durante a pandemia. Com certa vergonha, admite que alguns protocolos foram quebrados para todos poderem assistir aos jogos do Caxias. Outros momentos que remontam aos tempos da infância são quando a dupla Gre-Nal usa o Centenário para os seus jogos. O que foi comum no período em que o Beira-Rio estava em reforma para a Copa do Mundo.
No clássico que decidiu o Gauchão de 2014, o camarote dos Velasque teve lotação esgotada. Veio a TV fazer matéria. Muitos com a camisa do Grêmio, outros tantos com as do Inter. Mas só um de grená.
— O Manoel Soares (repórter) se espantou quando viu. Tinha muita gente aqui com as camisas da Dupla. Eu sou Caxias. Sou anti-Gre-Nal — enfatiza.
A reação pode ser extremista, porém, justifica-se. Porque quando outro clube manda seus jogos no Centenário, na cabeça de Yuri, estão invadindo o seu quintal.