Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta sexta-feira (12), confira a história da família Coltro. Os juventudistas moram na primeira casa ao lado de um dos portões do Estádio Alfredo Jaconi.
Parque de diversões não precisa ter montanha-russa, roda-gigante, pirotecnia e afins. Basta uma bola e um gramado. Ainda mais se a cancha das peleias estiver do outro lado do muro. Melhor ainda se o campo for o do clube do coração. O parque de diversões de Márcio Coltro atende pelo nome de Estádio Alfredo Jaconi.
Há 60 anos os Coltros fincaram raízes na Rua Borges de Medeiros, em Caxias do Sul. Se instalaram por ali quando tudo era, literalmente, mato. O estádio veio uma dúzia de anos depois.
A proximidade coloriu a infância de Márcio Coltro em verde e branco, deu a tonalidade de seus 54 anos de vida. Nesse período sua história e a do Juventude se tornaram, para ele, uma só. Tanto que fica difícil saber onde termina o terreno da família e começa o do Juventude. O muro que delimita os espaços de cada um é invisível desde que se conhece por gente. Desde que se conhece como jaconero.
Impossível outro pensamento quando a porta de casa está a 23 passos miúdos do portão de entrada do Jaconi. Márcio e o irmão Lessandro aproveitaram ao máximo a vizinhança. Antes de o palmeirense Ronaldo inaugurar as redes do Jaconi em 1975, os dois tinham feito muitos gols apagados da história do futebol naquelas goleiras. Para a dupla, o estádio não era a extensão da casa deles. Não era o pátio onde brincavam. Era muito mais do que isso.
— Vimos a construção do estádio. A segurança era menor e conseguíamos entrar. Nosso gol a gol era no gramado. Era o nosso parque de diversões — destaca o empresário.
Ainda quando as obras eram incipientes, era possível pular a construção para entrar no campo. Depois, a missão tornou-se intransponível. Mas, nessa época, o esqueleto do Jaconi estava montado. A escada que hoje leva às cabines de imprensa terminava apenas no alto. Ela não direcionava a nenhum espaço físico, mas conduzia os irmãos à fertilidade da imaginação. Lá no último degrau, quase tocando no céu, os dois se sentavam e miravam o horizonte. Imaginavam gols, projetavam histórias, sonhavam com títulos.
Nos primórdios do Jaconi, Márcio chegava da escola, deixava a mochila em casa e zunia para o outro lado do muro. A meta alviverde era defendida por Geninho. Não para o garoto. O goleiro era ele. A função de Geninho era chutar a gol as defesas acrobáticas do guri. O vizinho virou mascote dos jogadores.
Nos dias de viagens para jogos fora, ele adotava um andar despretensioso e rondava o ônibus da delegação como quem não quer nada querendo tudo. Logo, lograva êxito. Algum dirigente perguntava se ele queria acompanhar o time. Antes do fim da pergunta, Márcio estava dentro do veículo em meio aos jogadores.
— Era uma vida ligada ao futebol. Treinava com os jogadores. Vivíamos no estádio. O pai construiu amizade com os jogadores — relembra.
As décadas de uma vida jaconera foram de altos e baixos, aquela montanha-russa do futebol. De quedas e de títulos. Mas sempre de Juventude. Homem-feito, Márcio casou com Lysandra, outro jaconera ferrenha, e virou pai de Guilherme. Antes de qualquer documento com o nome do rebento, fez a carteirinha de sócio infantil. Invadiu a maternidade erguendo a carteirinha como se fosse um troféu. Aos 12, fez a associação propriamente dita.
— Ele diz que é um dos melhores presentes que ganhou — assegura, ao comentar o fanatismo do filho de 20 anos.
Há muito Márcio deixou a casa dos pais. Existe, entretanto, um imã ali. Chova ou tenha sol, faça inverno ou verão, esteja onde o Juventude estiver, todo sábado e domingo ele pega cadeiras, as coloca em frente ao número 150 da Borges de Medeiros e sorve um mate com os amigos. De frente para o Jaconi, trova sobre a vida e, acima de tudo, sobre o Juventude, o melhor papo para a papada. Afinal, o fim de semana foi feito estar no parque de diversões.