Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta terça-feira (12), confira a história de Odilon Costa, o Seu Nenê, que é funcionário e vizinho do Novo Hamburgo.
O Estádio do Vale parou para ver Odilon Costa posar para as lentes do repórter fotográfico Jefferson Botega. O responsável por espalhar a notícia pelos corredores foi o auxiliar técnico Preto. Saiu gente do vestiário e das áreas administrativas para testemunhar o famoso Seu Nenê sentar no centro do gramado para um retrato debaixo de um sol de fazer cactus pedir água. Não há quem não goste do roupeiro que trabalha no Novo Hamburgo há 23 anos.
— Ele é excepcional. Quando fomos campeões gaúchos, ele foi um pai para mim. Sempre cuidou de mim com muito carinho — destaca Preto, ex-jogador do clube.
O meia campeão do Gauchão de 2017 foi um dos responsáveis por facilitar a vida de Seu Nenê, 65 anos. Naquela época, era como se ele disputasse uma partida de futebol todos os dias para trabalhar. Eram 45 minutos pedalando para ir ao estádio e outros 45 para voltar. No intervalo entre um tempo, ocupava-se como massagista, função que exerceu até o ano passado. Como morava longe, muitas vezes precisava voltar para acudir alguma urgência. Para tornar a rotina menos fatigante, abria pela manhã os portões da casa anilada e passava o cadeado no fim do dia.
Preto junto com outros jogadores promoveram uma vaquinha. Com o valor arrecadado o presentearam uma bicicleta elétrica. Há pouco, a direção do Novo Hamburgo alugou uma casa bem em frente ao Estádio do Vale. Agora, ele pode ir para casa descansar quando o trabalho alivia, mas sabe que…
— Quem mora perto sempre é o primeiro a ser lembrado – ensina, com bom humor. – Amo trabalhar no futebol, é um prazer. A gente se diverte — complementa.
Nem todos tiveram a mesma cortesia e paciência com o funcionário-símbolo do Noia. Em idos tempos, a máquina de ultrassom do clube estava estragada, mas um nervoso jogador queria fazer o exame logo para saber a extensão do seu problema. Seu Nenê tem um pouco de gagueira e, pressionado, não conseguiu explicar a situação. Sem ser ouvido, “realizou” o exame no atleta. Ao retornar ao vestiário, o apressadinho viu seus companheiros se revirarem de tanto rir — todos sabiam que o aparelho estava fora de serviço.
— Ele não quis me escutar. Então, fiz o exame. Durou 15 minutos — relata com um sorriso no lábio.
Com tanto tempo de Novo Hamburgo, Seu Nenê conheceu todos os cantos do extinto Santa Rosa, antiga casa anilada, e também do Estádio do Vale, inaugurado em 2008. Mas foi longe do Vale do Sinos que viveu sua maior emoção no futebol.
Foi no Centenário onde viveu a sua maior glória como profissional do futebol. Ele estava ao lado do gramado durante o título Estadual de 2017. Foi dali que viu o Novo Hamburgo bater o Inter nos pênaltis e se sagrar campeão gaúcho.
— Só acreditei que dava para ser campeão depois que passamos pelo Grêmio na semifinal. Antes disso, achava que não era possível — relembra.
Nesses anos cruzando as estradas do Rio Grande do Sul e atravessando os céus do Brasil, jura, sem gaguejar, que era um massagista comportado. Afirma que foi expulso somente uma vez. A indisciplina se deu em jogo contra o Gaúcho, de Passo Fundo, pela Série C do Brasileirão de 2005.
— Briguei com o bandeira. Ele não estava indo bem — justifica.
Seu Nenê trabalha em um retângulo recheado de camisas, coletes e chuteiras. As paredes são decoradas com imagens daquele título de 2017. Na foto do time campeão, na entrada do vestiário, é ligeiro em mostrar sua posição na imagem. A decoração não é muito diferente da sua casa. Na sala, diversos motivos relacionados ao Novo Hamburgo. Entre as duas janelas, uma enorme bandeira no formato do distintivo do clube.
Enquanto serve de modelo para novos retratos em frente a sua casa, agora sem plateia, Seu Nenê ouve o relato da declaração feita por Preto minutos antes. Seus olhos ficam marejados. Por essas declarações que ele ama trabalhar no futebol.