Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta terça-feira (30), confira a história de Carim Saliba, torcedor que mora atrás de um dos gols do Estrela D'Alva, estádio do Guarany-Ba.
Quando algum representante dos Saliba bate no gabinete do presidente do Guarany-Ba, Tato Moreira, o presidente, sabe que tem dois problemas para resolver. O primeiro é financeiro. O segundo, a pontaria do time. A família tem um imóvel na rua que passa atrás de um dos gols do Estádio Estrela Estrela d'Alva. Quando os jogadores erram o alvo, a janela surge como um possível destino final para a bola. Nas vezes em que a rotina é interrompida por um plaaaft do choque da redonda com o vidro da janela, é preciso atravessar a rua, bater no gabinete do dirigente e solicitar o conserto.
Embora a situação possa causar um inconveniente, ela é encarada apenas como um imprevisto. A maior preocupação é pelo pé descalibrado e suas consequências durante as partidas. Naquela casa há uma linhagem alvirrubra. O avô de Carim Saliba foi presidente do clube na década de 1980.
A devoção ao único clube do interior bicampeão gaúcho permite que os acidentes sejam tratados com leveza. São mais de três décadas em que vivem nas cercanias daquela goleira. Carim conta as histórias rindo.
— Quando a janela quebra, vou direto falar com o Tato. Às vezes o pessoal grita para devolver as bolas que caem aqui no pátio — relata o consultor de imóveis de 22 anos.
Naqueles poucos metros de Bagé está o centro da vida de Carim. Casa, trabalho e futebol. Muito futebol. Muito Guarany. Tudo um do lado do outro. O que lhe dá alguns privilégios para acompanhar o clube do coração.
— Conheço todos os funcionários do clube. Todo dia eu acordo e vejo o estádio do clube pelo qual torço. Isso é muito legal. Às vezes, quando dá, eu escapo de tarde para dar uma espiada no treino — relata.
A proximidade do estádio cria aqueles casos de vista privilegiada. O muro do estádio não é dos mais altos, o que permite a visão de todo o gramado. Dá para observar do goleiro ao centroavante. Apesar da vista panorâmica, Carim prefere ver o jogo em outro lugar.
Entre ver os jogos da sacada de casa ou junto ao alambrado do Estrela D'Alva, não titubeia. Vai para as arquibancadas torcer. Assistir de lá, segundo ele, "é uma outra sensação". Exceção feita ao período da pandemia, quando foi obrigado a frequentar o "camarote" da família.
Até a banda da torcida se alocou na varanda do prédio. O cenário era digno de jogo grande. Instrumentos, bandeiras e sinalizadores, proibidos nos estádios, mas liberados na sacada dos Saliba.
Ao entrarem em campo, os jogadores corriam em direção à linha de fundo para saudar os torcedores no camarote. Se não havia a possibilidade de optar entre a casa e o estádio, outra escolha difícil era necessária durante o isolamento social.
Muitos amigos surgiram pedindo uma vaga na arquibancada improvisada. Não havia espaço para todos. Na base do uni-duni-tê foi feita a seleção de quais seriam os privilegiados da vez. A pandemia se foi, mas o problema persiste. Agora com as arquibancadas liberadas para receber a gente alvirrubra, a questão que se levanta é diferente. Há quem bata na porta para pedir um lugar e economizar no ingresso. A resposta é sempre a mesma.
— Eu digo que não. Agora, quem assiste dali é só a minha família, mãe, pai e tios — pontua.
Apesar do fraco início de Gauchão, Carim tem uma palavra de esperança para as próximas rodadas. Ele garante que neste ano as janelas do prédio estão incólumes.