Vida de árbitro não é fácil. Nos momentos de fúria dos torcedores, ter um braço que disponibilize ajuda é bem-vindo. Em Ijuí, quem oferece guarida é a casa de João Carlos dos Santos e de sua mãe, Dona Marieta. Em dia de decisões polêmicas no 19 de Outubro, era ali que encontravam um pouco de proteção e apaziguasse os ânimos. Ex-árbitro federado, ele oferecia as dependências da residência para que seus companheiros de profissão estacionassem seus carros durante as partidas no estádio do São Luiz.
A garagem do local fica a poucos metros do vestiário dos árbitros. Figura conhecida nas redondezas, João Carlos conseguia acalmar os ânimos no meio do tumulto e da indignação dos torcedores pelas decisões tomadas ali do lado.
— Não era comum, mas acontecia de a Brigada acompanhar até o carro. Antes era mais seguido. Me criei ali, então quando eu estava junto não dava problema — esclarece.
Homens que ostentaram o distintivo da Fifa no peito tomaram o cafezinho servido por Dona Marieta, 95 anos. Não só eles. Alguns dos jogadores que moravam embaixo do pavilhão social do São Luiz também eram agraciados com lanches feitos por ela.
João era o responsável por levá-los aos boleiros. A comida alimentava os atletas, e a tarefa nutria a fome por estar toda hora dentro do campo. Foi tanto tempo perambulando pelas dependências da Baixada, como os torcedores dos clubes se referem ao estádio, que ele garante que sabe até onde ficam os canos do 19 de Outubro.
— Vi toda a vida do clube aqui na frente. Vi o clube crescer, o estádio se modificar. Antes era tudo de madeira. Vi quando colocaram a iluminação. Vivi minha infância dentro do São Luiz — relembra.
Apesar de toda proximidade com os homens do apito, ninguém torce para o apitador. A poucos metros da casa, João, 65 anos, toca um lava-jato. Entre o negócio e São Luiz, a balança pende para o clube do coração. Quando ninguém quer lavar o carro, o local mais fácil para encontrá-lo é dentro do estádio.
Se o movimento está fraco sem sinal de se revigorar, ele vai dar um giro pela Baixada, ver o que está acontecendo com o Rubro. Quem quiser lavar seu carro no horário dos jogos, vai encontrar a porta fechada. Se a bola rola no estádio, o empreendimento fica de lado para acompanhar a peleia.
— Quando tem treino e não tem movimento, vou dar uma olhada. Quando tem jogo, na hora do jogo fecho o lava-rápido. Não perco jogo do São Luiz por nada — assegura.
Na época em que o São Luiz fechou o departamento de futebol, o gramado não ficou inutilizado. Todo fim de tarde, a garotada entrava no campo para jogar. Se João Carlos só atravessava a rua, outros parceiros precisavam cruzar a cidade. Era o caso de um menino apelidado de Dunga. Foram juntos fazer teste do Inter. Dunga seguiu sua carreira internacional. João Carlos teve uma rápida passagem pelo profissional do clube de Ijuí.
Ele garante que, desde aquelas peladas no fim de tarde, a vontade de ganhar e a garra estavam presentes na personalidade do capitão do Tetra. Mais dos que os gols que comemoraram juntos, ele não esquece um convite especial do amigo.
— O Dunga jogava comigo nos fins de tarde. Isso é para poucos. Ele já era um líder desde guri. Eu falava para todo mundo que jogava no campo do São Luiz. Não tinha preço fazer aquilo. Fui um dos poucos convidados para o casamento dele aqui em Ijuí — revela.
A vontade de ganhar do amigo é a mesma que João Carlos tem de ver o São Luiz vencer o seu primeiro Gauchão. Para incentivar, ele não cansa de gritar "Vamo, Rubro!" desde quando era guri.