Vizinhos do Gauchão traz uma série de reportagens de torcedores que moram nas cercanias dos estádios onde os jogos da competição são disputados. Ao longo do campeonato, GZH contará a história de personagens que, pela proximidade, tiveram a sua vida envolvida pelo clube do coração. Mais do que uma relação de vizinhança, criaram um sentimento de pertencimento. Nesta sexta (1), confira a história de Paulo Henrique Farias, torcedor que tem o Bento Freitas como cartão postal.
— Quero ver dar o segundo cartão para o cara deles, vagabundo, chinelão!
A provocação irrompeu o gramado de um Bento Freitas sem público nas arquibancadas. Fez barulho no ouvido do árbitro. Reverberou no tímpano dos jogadores. Divertiu a transmissão da TV no jogo contra o Manaus, pela Série C. Fez burburinho nas redes sociais.
A zombaria partiu do apartamento localizado atrás de um dos gols da casa do Brasil de Pelotas. O dono da sacada é Paulo Henrique Farias, para assuntos profissionais. PH para os amigos. Paulinho Negão para companheiros de infância. E o homem do megafone para o mundo do futebol.
Nem sempre a garganta que provoca a arbitragem e os rivais é a de PH, mas certamente é disparada de sua sacada. Popularmente intitulada de Camarote do PH, é onde os convidados são recebidos com um assado e uma cerveja gelada feito as noites de julho, além de poderem assistir ao Xavante.
Não é o típico caso de o estádio ser a continuidade do apartamento. Na verdade, o apartamento virou a continuação da arquibancada. A união entre o lar e o Bento Freitas é o ápice da louca relação entre o torcedor de 37 anos e o Brasil de Pelotas. PH trabalha como arquiteto na empresa responsável por reformar o estádio e, em contrapartida, construir um condomínio atrás de um dos gols.
— Participei da execução das arquibancadas. Sou o responsável técnico. Sempre tive relação com a torcida, com o clube. Nunca imaginei que fosse acontecer que um dia fosse morar com esta vista — destaca, orgulhoso, Paulo Henrique Farias.
A posição privilegiada na empresa lhe rendeu regalias. Soube antes dos planos para o condomínio. Teve a chance de largar na frente para ter a melhor vista possível do gramado.
— Moro aqui há quatro anos. Fui o primeiro comprador. Quando soube da história, fui no diretor e avisei que queria ser o primeiro a comprar. Escolhi o andar a dedo para ter uma visão completa. Também fui o primeiro a me mudar para cá — conta PH.
O primeiro a viralizar também foi ele. O megafone foi presente do cunhado. A utilização surgiu como uma maneira de provocar os adversários. Atucanar a arbitragem. Sobretudo, ter mais uma diversão durante os 90 minutos de uma partida.
Em alguns jogos, o local vira atração. Não só para os torcedores e para as transmissões pela televisão.
— Às vezes os jogadores ficam nos encarando, aconteceu contra o Atlético-MG, Inter, Grêmio. Mostro a cerveja e o churrasco, mostro que é diversão. Xingamentos pesados são proibidos. Tem de ser na brincadeira — explica o homem do megafone.
Há casos em que, infelizmente, o aparelho amplifica assuntos sérios, se transforma em um serviço de utilidade pública. Mais de uma vez, a localização privilegiada e os decibéis elevados ajudaram a identificar torcedores que cometeram discriminação racial nas arquibancadas.
O fanatismo se torna tão exacerbado que converteu Tanina, esposa de PH. Ela era palmeirense, mas hoje, da sacada, defende a causa xavante. A filha Catarina está sempre presente no camarote do pai.
— Sou xavante doente desde a barriga da mãe por causa do meu pai. Vou no jogo desde pequeno. Fui a todos os acessos. Fui a todos os lugares. No acesso (para a Série B) contra o Fortaleza (em 2015), éramos 318 torcedores no Ceará — comenta, ao citar seus périplos seguindo o clube.
Qualquer visitante que vá ao Bento Freitas, seja jogador, torcedor ou árbitro, sempre visto como adversário, pode ter certeza que a voz de PH vai ecoar nos seus ouvidos.