Uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo Todos Pela Educação indica que sete em cada 10 adolescentes entre 14 e 16 anos afirmam que pretendem estudar e trabalhar durante o Ensino Médio. Divulgado neste mês, o estudo foi realizado entre janeiro e fevereiro deste ano e contou com respostas de 462 estudantes de escolas públicas e privadas de 113 municípios, incluindo regiões metropolitanas e Interior em todas as regiões do Brasil.
Considerando somente alunos da rede pública, o número dos que pretendem conciliar estudos e trabalho vai para 74%. Já para os estudantes de escolas particulares, o índice cai para 55%. Conforme o levantamento, em média, os entrevistados revelam ter expectativa de receber R$ 860 de salário mensal. Mas esse valor varia conforme o gênero e a renda familiar.
Jovens com renda familiar mensal de até dois salários-mínimos esperam ter remuneração de R$ 760 por mês. Já em relação ao gênero, os homens esperam receber, em média, R$ 908, e as mulheres, R$ 806. Isso pode influenciar na decisão de estudar ou não em escola em tempo integral, modelo defendido por especialistas por combater a evasão escolar e promover melhorias na aprendizagem.
Cerca de um terço dos alunos ouvidos afirmam que não se matriculam no ensino integral justamente porque precisam ou desejam trabalhar. Para o professor Fernando Cássio, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), isso não é novidade, é um desafio de muitos anos na educação brasileira, que precisa ser enfrentado.
— Muitos estudantes não conseguem gozar da escola em tempo integral, com uma carga horária expandida, porque fica de fora quem precisa trabalhar. Majoritariamente, os alunos mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, temos essa agenda nacional de expansão das matrículas nas escolas de tempo integral. Para que isso aconteça, precisamos de políticas de indução à permanência — afirma.
O Rio Grande do Sul segue com a meta de ampliar o número de escolas com Ensino Médio em tempo integral até 2026. O governo promete levar o modelo para 50% das mais de 2 mil instituições. Atualmente, são 205 escolas de Ensino Médio com turno integral no RS.
Auxílio financeiro
O recém-lançado Pé-de-Meia, programa federal instituído pela Lei 14.818/2024, prevê incentivo financeiro destinado a promover a permanência e a conclusão escolar dos jovens. No entanto, não chega aos patamares esperados pelos alunos consultados na pesquisa.
A iniciativa prevê auxílio mensal de R$ 200, mais depósitos de R$ 1.000 ao final de cada ano concluído. Considerando o valor mensal, depósitos anuais e o adicional de R$ 200 pela participação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os total chega a R$ 9,2 mil.
Os estudantes de baixa renda da rede pública do RS também contam com o apoio do Todo Jovem na Escola, programa estadual semelhante, que busca combater a evasão escolar. A iniciativa prevê repasse de R$ 150 por mês, cujo valor sobe para R$ 225 no caso dos alunos de escolas de Ensino Médio com turno integral. A cada ano concluído, o aluno recebe R$ 300.
Programas ajudam, mas não são o suficiente
Garantir repasses adicionais para estudantes de escolas em tempo integral é inclusive uma das recomendações do Todos Pela Educação, seguida pelo projeto do governo do RS, mas que não se repete no caso do Pé-de-Meia. Mesmo com essas políticas, os auxílios podem não ser suficientes para manter jovens na escola integral, conforme especialistas ouvidos por GZH.
— Essa renda ajuda, é inegável. Mas não me parece o suficiente para a garantia de dignidade. Política de assistência é muito mais do que dar bolsas. Precisa de bolsa, mas também tem a questão da moradia e do transporte. Por exemplo, dar bolsa e tirar a gratuidade da passagem é o mesmo que nada. O aluno que mora longe da escola precisa gastar esse dinheiro no ônibus — afirma o professor Mateus Saraiva, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ele também defende que não pode haver deslocamento de responsabilidade do Estado, que também deve agir para atrair os estudantes e combater a evasão. Segundo o pesquisador, o papel do aluno é importante nesse processo, mas as escolas precisam garantir qualidade.
— Essas coisas têm que andar paralelamente. Não podemos transferir para o aluno essa responsabilidade que é do Estado, que precisa garantir boa infraestrutura, eficiência dos profissionais e boas condições de trabalho para os professores — afirma.
Precisamos ter uma escola com currículo interessante e professores bem formados, onde o jovem tenha acesso à tecnologia, aprenda resolução de problemas, possa desenvolver projetos, coisas que digam respeito à realidade dele.
KATIA SMOLE
Diretora do Instituto Reúna
A professora Katia Smole, diretora do Instituto Reúna, vai pelo mesmo caminho. De acordo com ela, a escola precisa ser atrativa, ou seja, é preciso qualificar o ensino para manter os jovens interessados na escola e, sobretudo, passarem mais tempo estudando.
— É bom ter Pé-de-Meia e escolas de tempo integral, mas não tem bala de prata. Essas coisas sozinhas não vão resolver a questão de ter o estudante na escola, aprendendo. Precisamos ter uma escola com currículo interessante e professores bem formados, onde o jovem tenha acesso à tecnologia, aprenda resolução de problemas, possa desenvolver projetos, coisas que digam respeito à realidade dele — argumenta Katia, que é ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação.
Ao serem questionados a respeito dos motivos para não estudarem em escolas de tempo integral, 14% dos alunos que responderam à pesquisa do Datafolha alegaram não ter vontade de ficar mais tempo na escola. Atualmente, 20,4% dos alunos do Ensino Médio no país estudam em escolas de tempo integral, segundo o Censo Escolar de 2023.
— Qualquer trabalho, mesmo que precarizado, vai gerar uma renda maior do que esses auxílios. Precisamos avaliar se esse montante mensal será suficiente para estimular os estudantes a permanecerem na escola. O governo precisa ter evidência da eficácia dessas políticas, isso precisa ser avaliado constantemente — afirma o professor Fernando, da USP.
Foco na formação profissional
Para Katia, o projeto de Novo Ensino Médio que está em tramitação pode ser a oportunidade para garantir uma escola mais atrativa para quem busca qualificação profissional:
— Esse movimento de busca pela profissionalização está acontecendo no mundo todo, inclusive em países muito bem-sucedidos na educação e na economia. Chegamos a ter cerca de 54% dos jovens formados em cursos técnicos profissionais em países como Alemanha, Inglaterra e Japão. Temos que dialogar com essa cultura, com esses interesses dos jovens.
De acordo com ela, no Brasil, estamos olhando para os currículos como se houvesse somente uma única opção: o Ensino Médio que prepara para a universidade. No entanto, há anos, os jovens demandam essa orientação para o mercado de trabalho, e isso não pode ser encarado como uma redução na qualidade do ensino.
— Desde que a discussão sobre a reforma do Ensino Médio começou, já tínhamos esse retorno dos estudantes, um interesse geral pela formação técnica profissional. Quando os Estados começaram a consultar os jovens sobre os itinerários formativos que queriam cursar, isso sempre esteve na liderança. Se for bem executada, essa nova proposta em tramitação tem potencial de diminuir bastante esse índice, especialmente pela possibilidade de articular a oferta do Ensino Médio com a formação técnica e de competências para o trabalho — argumenta a especialista.