Tido como uma porta de entrada para uma vida profissional mais qualificada e rentável, o Ensino Médio Técnico (EMT) será usado como moeda de troca, pelo Ministério da Fazenda, na proposta de renegociação da dívida dos Estados com a União. O programa prevê a redução dos juros para as unidades federativas que ampliarem o número de matrículas no Ensino Médio de nível técnico que, hoje, ainda é pouco presente nas instituições gaúchas.
A proposta, batizada de “Juros por Educação”, estipula uma taxa de juros de 3% ao ano para quem aplicar ao menos 50% da economia com a dívida na ampliação das matrículas dessa modalidade. Se forem aplicados 75%, a taxa fica em 2,5%, e, se forem 100%, a taxa é de 2%. Sem os investimentos, o juro é estabelecido em 4% e a evolução da Taxa Selic.
Em nível nacional, o número de estudantes matriculados no magistério ou em cursos técnicos integrados ou concomitantes ao Ensino Médio, em 2021, representava 14,3% dos quase 7 milhões de alunos desta etapa, segundo o Censo Escolar. No RS, o percentual era melhor – quase 80 mil, dos 303 mil no total, frequentavam alguma modalidade do EMT, ou 26%.
Cursos qualificados e concorridos
A Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo, é uma das maiores instituições de Ensino Técnico do Estado. Com quase 3 mil alunos, o destaque é para o turno diurno, que compreende manhã e tarde e atende cerca de 2 mil estudantes. Nele, o colégio oferece a modalidade integrada ao Ensino Médio, com os cursos de Mecânica, Eletrotécnica, Eletrônica e Química. À noite, há os subsequentes, para aqueles que já se formaram na Educação Básica: Design de Interiores, Informática para Internet, Manutenção Automotiva e Segurança do Trabalho.
Os cursos mais concorridos são os da modalidade integrada, que têm prova de seleção e chegam a ter uma disputa de seis candidatos por vaga. Diferentemente do Ensino Médio comum, que tem três anos, o EMT da Liberato tem quatro, mais 720 horas de estágio, que costumam ser cumpridas no ano seguinte à conclusão das aulas. Muitas vezes, já são contratados pela própria empresa onde estagiaram, o que anima alunos e famílias.
— A gente tem esse retorno com as famílias que chegam à Liberato, sobre como o aluno sai com uma possibilidade a mais. São portas que se abrem — destaca Íris Lisboa, diretora de ensino da escola.
Conforme o diretor-executivo do colégio, José de Souza, muitos dos jovens que se formam seguem os estudos na graduação, mas há aqueles que optam por atuar como técnicos das áreas que estudaram.
— Muitos alunos e ex-alunos acabam sendo referências na família, por terem o maior salário, especialmente entre as famílias mais pobres. Temos um retorno muito positivo nesse aspecto, no qual a escola contribui do ponto de vista social, mas, também, na questão financeira, que melhora para as famílias, em função do curso que o filho fez — relata o diretor, acrescentando que há, ainda, egressos que vão para o exterior estudar ou trabalhar.
A Liberato é famosa pela Mostratec, feira de ciência e tecnologia que reúne trabalhos de alunos da Educação Básica. Muitas das atividades realizadas pelos estudantes envolvem projetos de pesquisa que podem ser apresentados no evento. A instituição investe, ainda, em iniciativas como a gincana, que acontece anualmente e busca incentivar o surgimento de lideranças e a auto-organização dos grupos, e eventos ligados às áreas cultural e esportiva.
— A escola precisa ser um ambiente que ofereça essas possibilidades, porque, se não, você não inclui, você exclui. Possibilitar participar de atividades culturais, esportivas, científicas é essencial, porque, se não, você não oportuniza uma formação integral, mais ampla — resume Souza.
A instituição é pública, mas de direito privado, o que significa que ela é vinculada ao governo do Estado e opera com professores que são servidores da rede estadual, mas pode fazer captação de recursos em outras fontes, o que escolas estaduais não têm autorização para fazer. A direção salienta dificuldades ligadas à infraestrutura e à reposição da equipe, que já foi de mais de 300 profissionais e, hoje, é de cerca de 270.
“Difícil e desafiador”
Artur Atz, 18 anos, cursa o quarto ano e último de Eletrônica na Liberato – no ano que vem, iniciará os estágios obrigatórios. Procurou a instituição porque ouviu a recomendação de muitas pessoas próximas. Para entrar, fez um cursinho preparatório.
— É um curso bem difícil e desafiador. Bem trabalhoso. Tem vezes que é muita coisa pra fazer e, em outras, são coisas muito difíceis pra fazer. Mas com a organização certa, dá tudo certo — avalia o jovem.
Normalmente, o estudante passa todas as manhãs e três tardes por semana na Liberato. No entanto, mesmo quando não tem aula, procura ir, para fazer atividades práticas ligadas ao que está aprendendo. Apesar da correria, sente que vale a pena.
— É aquilo que todo mundo fala: tu já sai daqui empregado. Isso é uma vantagem muito grande, ter um ensino técnico. Além de ficar bonito no currículo, também é um conhecimento a mais, que, mesmo que tu não siga na área, é bom tu ter, porque quebra um galho, sei lá, o computador estragou, tu já sabe um pouquinho, tu consegue arrumar — exemplifica Artur, que pretende cursar, no futuro, ou Tecnologia da Informação, ou Gastronomia.
Melissa Kniphoff da Costa, 18 anos, frequenta as aulas do terceiro ano do curso de Química e, quando a reportagem a abordou, fazia práticas no laboratório, junto aos colegas. A jovem diz que a Liberato proporciona muitas coisas diferentes para seus estudantes, já que, além das matérias do Ensino Médio e do Técnico, há outras atividades extracurriculares.
— Tem a gincana, os coletivos, tudo o que envolve o grêmio estudantil. Eu sinto que a gente tem uma parceria grande com a escola, porque a gente tem um grande espaço pra falar o que a gente quer melhorar ou não na escola — analisa Melissa.
Moradora de Portão, a estudante enfrenta pelo menos meia hora de ida e meia hora de volta, todos os dias, para ir para a aula. Antes de entrar na instituição, não imaginava que um dia cursaria Química, mas, hoje, descobriu que gosta da área.
— Eu gosto de estar no laboratório, eu gosto de Química e isso é uma coisa que eu pretendo seguir no futuro. Mas foi um processo de descoberta aqui na escola, porque as minhas outras ideias de curso eram mais ligadas a Meio Ambiente, Biologia — comenta a aluna.
No meio do caminho, Melissa passou por um percalço: reprovou no 2º ano. Mesmo assim, diz que, apesar de não ter sido um momento legal, sente que desenvolveu uma postura melhor no laboratório e aprendeu a estudar e se organizar.
Números do RS
Somadas as redes federal, estadual, municipais e privadas, o Estado registrou, em 2023, 133.850 estudantes em cursos técnicos – somando estudantes da modalidade subsequente, e não só integrada e concomitante, incentivadas pelo governo federal. O objetivo no Plano Nacional de Educação era de que se chegasse a 315.891 matriculados até 2024, o que demandaria a criação de mais do que o dobro de vagas em um ano, o que não ocorrerá.
A rede estadual de escolas técnicas conta com 157 instituições, que oferecem 63 cursos para 28.635 alunos. Até 2027, a expectativa é dobrar o número de vagas, chegando a 57.593, e ampliar o território coberto, que é de 22%, para 50% das regiões até 2026. No Plano Decenal da Educação Profissional e Tecnológica do RS, consta que a quantidade de matrículas em escolas estaduais alcance 115.917 até 2032.
A diversificação regional ocorrerá, por exemplo, em regiões de fronteira com Argentina e Uruguai, em municípios como Itaqui, Uruguaiana e Alegrete, onde hoje não há oferta de Educação Profissional e Tecnológica.